LUST 1º Temporada - As descobertas de um adolescente

- 1 -

Faz calor, um calor tórrido, seco. Lá fora um grilo grita a sua despreocupação e tudo é calmo, ameno dentro dessa casa. Parece que tudo está fechado e protegido por uma redoma de vidro finíssimo e o calor torna os movimentos ainda mais pesados; mas não há calma dentro de mim. É como se um rato estivesse roendo a minha alma, e de uma maneira tão imperceptível que até parece suave. Não estou mal e também não estou bem, a coisa preocupante é que “não estou”. Mas sei me reencontrar: basta levantar os olhos e cruzá-los com o olhar refletido no espelho para que uma calma e uma felicidade tranqüila tomem conta de mim... A única coisa que me faz ficar bem é aquela imagem que contemplo e amo: todo o resto é ficção. São falsas as minhas amizades, nascidas do acaso e crescidas na mediocridade, tão pouco intensas... São falsos os beijos que timidamente dei em algumas meninas da minha escola... É falsa essa casa, tão pouco parecida com o estado de espírito de que tenho agora. Queria que de repente todos os quadros saltassem das paredes, que pelas janelas entrassem um frio gélido e congelante, que ganidos de cães tomassem o lugar dos cantos dos grilos.Quero amor. Quero sentir meu coração se derreter e quero ver as estalactites do meu gelo se quebrando e afundando no rio da paixão, da beleza.
Barulheira na rua. Risadas que enchem esse sufocante ar de verão. Imagino os olhos dos jovens da minha idade antes de saírem de casa: acesos, vivos, ansiosos por uma noitada divertida. Vão passar a noite... cantando acompanhando um violão. Alguém vai se afastar lá para o fundo, onde a escuridão cobre tudo, e sussurrar palavras infinitas no ouvido de outro alguém. Eles vão viver e saberão como cuidar da própria vida. Ok, tudo bem, eu também respiro, biologicamente está tudo certo comigo... Mas tenho medo. Tenho medo de sair de casa e encontrar olhares desconhecidos. Eu sei, vivo em conflito permanente comigo mesmo: tem dias em que estar no meio dos outros me ajuda, e sinto uma irresistível necessidade disso. Em outros, me deito de barriga pra cima e penso. Talvez coloque algum cd, quase sempre música clássica. Sinto-me bem com a cumplicidade da música e não preciso de mais nada.
Mas essa barulheira está me atormentando, sei que nessa noite alguém está vivendo mais do que eu. E eu vou ficar dentro desse quarto ouvindo o som da vida, vou escutá-lo até que o sono me abrace.

(...)
Ontem fui a uma festa com uma amiga, Alessandra. A casa ficava numa ruazinha sem iluminação; quando chegamos à frente do portão, ela começou a gesticular como se quisesse cumprimentar alguém e gritou forte:

- Rodrigo! Rodrigo!

Ele chegou a passos muito lentos e a cumprimentou. Parecia bem bonito, embora a escuridão não me deixasse ver nada direito. Alessandra nos apresentou e ele apertou minha mão frouxamente. Sussurrou baixinho o seu nome e eu sorri um pouco, pensando que ele era tímido; de repente notei um brilho bem nítido no escuro: eram seus dentes... Depois que entramos me dei conta de que, com a luz, ele parecia ainda mais bonito; eu estava atrás dele e podia ver os músculos das costas se mexendo a cada passo...
A certa altura, nos reencontramos sentados em poltronas próximas e começamos a conversar. Então chegou o momento das perguntas íntimas; quando todos estavam muito ocupados dançando, ele se aproximou ainda mais de minha poltrona e começou a me olhar com um sorriso. À noitinha trocamos os nossos números de telefone e esta noite, enquanto dormia, ele me mandou uma mensagem que eu li hoje de manhã: “Eu me senti muito bem com você, você é legal e gostaria de te ver de novo. Por que não vem até a minha casa amanhã, a gente pode tomar um banho de piscina”.

- 2 -

(...)

Estou nervoso. A casa dele é linda. Cercada por um jardim verdíssimo e por miríades de flores coloridíssimas e frescas. Fiquei olhando os outros mergulhando e brincando, enquanto eu ficava lá sentado na mesinha de bambu... De vez em quando ele me olhava sorrindo e eu correspondia feliz. Depois vi que ele subia a escadinha e vinha na minha direção com as gotas d’água escorrendo lentamente pelo seu peito brilhante, sacudindo com uma das mãos os cabelos molhados e espalhando gotinhas para todo lado. Sem dizer nada pegou meu copo e colocou na mesinha e me fez um sinal com a cabeça para que o seguisse.
- Aonde é que a gente vai? – perguntei rindo, mas um pouco temeroso.
Ele não respondeu e caminhou até uma porta ao fundo, no alto de uns dez degraus. Afastou o capacho e pegou um molho de chaves; enfiou uma delas na fechadura encarando-me ao mesmo tempo com olhos espertos e brilhantes.
- Onde é que você está me levando? – perguntei de novo com o mesmo medo de antes, mas bem escondido.
Mais uma vez, nenhuma resposta, só um leve sinal de riso. Abriu a porta, entrou me arrastando para dentro e fechou-a atrás de mim.

(...)

No quarto mal iluminado e extremamente quente, apoiou-me contra a parede e me beijou com paixão, fazendo me provar os seus lábios, que tinham gosto de morango e uma cor que também lembrava muito a fruta. Suas mãos estavam apoiadas na porta e os músculos dos braços estavam tensos, dava para senti-los, fortes sob as minhas mãos que o acariciavam e percorriam seu corpo, enquanto umas fagulhas percorriam o meu. Depois segurou meu rosto entre as mãos, afastou-se da minha boca e me perguntou baixinho:

- Você quer?

- 3 -

Mordendo os lábios, respondi que não, porque milhões de medos me invadiram de repente, medos sem nenhum rosto, abstratos. Ele aumentou a pressão das mãos apoiadas no meu rosto e com uma força que, sem conseguir, talvez quisesse traduzir em carinho, empurrou-me cada vez mais para baixo, mostrando bruscamente o Desconhecido.
Agora ele estava diante de meus olhos, com cheiro de homem, e cada veia que o atravessava exprimia tanta potência, que achei que devia acertar as contas com essa força. Ele entrou presunçoso entre os meus lábios, lavando o sabor de morango ainda impregnado neles.
Depois, de repente, ouve uma outra surpresa, e minha boca se encheu com seu líquido quente e ácido, muito abundante e denso. Meu repentino sobressalto provocou alguma dor nele, que agarrou minha cabeça com as mãos e a puxou para si com mais força ainda. Eu sentia a sua respiração ofegante e cheguei a pensar por um momento que o calor de seu hálito chegava até mim. Bebi aquele líquido porque não sabia o que fazer com ele.
Eu ainda estava de joelhos quando vi suas mãos descerem e, pensando que ele queria me levantar, sorri, mas ele levantou o calção e eu ouvi o barulho do elástico estalando contra a sua pele molhada de suor. Então me levantei sozinho e olhei-o nos olhos procurando, por alguma palavra que me tranqüilizasse e me fizesse feliz.

- Quer beber alguma coisa? – perguntou ele

(...)

Já tem duas semanas que freqüento a sua casa e me sinto muito ligado a ele. É verdade que o jeito dele comigo é meio brusco e da sua boca nunca saiu um elogio ou uma palavra doce: só indiferença, insultos e risadas provocantes. E, no entanto, essa sua maneira de agir me deixa ainda mais obstinado. Tenho certeza de que a paixão que agora tenho dentro de mim vai conseguir que ele seja completamente meu, e ele logo vai perceber isso. Nas tardes quentes e monótonas desse verão, fico pensando em seu sabor, no frescor de sua boca de morango, nos músculos firmes e vibrantes como grandes peixes vivos. E quase sempre me toco...
Sinto uma enorme paixão dentro de mim, eu a sinto batendo debaixo de minha pele porque ela quer sair jogar para fora toda a sua potência. Tenho uma vontade louca de fazer amor e faria agora mesmo, e continuaria durante dias e dias, até que a paixão estivesse todo fora, finalmente livre. Mas já sei de antemão que nem assim eu ficaria saciado, logo depois vou absorver de volta tudo o que espalhei fora de mim, para depois abandonar tudo de novo em um ciclo sempre igual, sempre emocionante.
Dia desses ele me disse que eu não sei fazer, que sou pouco passional. Disse isso com o sorriso zombeteiro de sempre e eu fui embora aos prantos. É tão difícil assim se deixar amar? Eu pensei que não fosse necessário beber da poção dele para garantir o seu amor, que tinha necessariamente que me entregar a ele por inteiro e, agora que tinha resolvido, agora que estava com vontade, ele debocha de mim e me expulsa daquela maneira! O que fazer? Falar com ele sobre o meu amor nem pensar. Bem, eu ainda posso provar que sou capaz de fazer aquilo que ele não espera que eu faça...

(...)

Hoje ele faz 19 anos. Assim que acordei peguei o celular e o bip-bip das teclas ecoou por todo o meu quarto; mandei uma mensagem de parabéns, mas sei que ele não vai responder, nem dizer obrigado, talvez dê uma boa risada quando ler. E não vai se segurar quando ler a última frase que escrevi: “Te amo, e isso é tudo que conta”.

- 4 -

(...)

Passou um tempão desde a última vez e quase nada mudou. Passei todos esses meses me arrastando, carregando nos ombros a minha incapacidade de me adaptar ao mundo; só vejo mediocridade ao meu redor e só a idéia de sair já faz com que eu me sinta mal...
Nesse meio tempo meus sentimentos por ele aumentaram. Agora sinto que o desejo de fazer com que ele finalmente seja meu está explodindo. Nunca mais nos vimos desde aquela manhã em que fui embora da casa dele chorando e só ontem um telefonema dele rompeu com a monotonia que me acompanhou esse tempo todo.
Ouvir sua voz me despertou de um longo e pesado sono. Perguntou como eu ia, o que tinha feito naqueles meses... Depois de ter usado todas as palavras de praxe, eu disse a mesma coisa que tinha dito naquela manhã, isto é, que eu estava com vontade de transar. Naqueles meses a vontade tinha se tornado torturante... O desejo tomava conta de mim até durante as aulas.
Estranhamente ontem ele não riu de mim, pelo contrário ficou em silêncio.

- Aliás – disse ele – como eu já te conheço faz algum tempinho posso te ajudar a realizar certos desejos.
- Em oito meses – repliquei – pode se mudar e compreender certas coisas que não se entendia antes. É melhor você dizer logo que não tinha ninguém disponível e que de repente (e finalmente, pensei comigo) se lembrou de mim.
- Você está completamente maluco! Vou desligar, não tem sentido ficar falando com uma pessoa que nem você.

Com medo de que ele batesse outra vez com a “porta” na minha cara, respondi submisso com um não implorante e depois:

- Está certo, tudo bem. Desculpe.
- Bem, estou vendo que você ainda consegue raciocinar. Tenho uma proposta para você – disse ele.

- 5 -

Curioso pra saber o que ele ia dizer, pedi de maneira infantil que ele falasse logo e ele disse que faria o que eu queria, mas só se não houvesse nada entre nós além de uma história de sexo, que a gente só se procurasse quando sentisse vontade e que tudo deveria ser mantido no mais profundo sigilo. Então eu pensei que, a longo prazo, uma história de sexo também pode se transformar em uma história de amor e afeto. Mesmo que não aconteça no início, vai acontecer com o costume. Eu me dobraria a sua vontade, desde que ele realizasse os meus caprichos: seria seu amante com prazo de vencimento; quando ele cansasse, poderia me dispensar sem problema. Aceitei o pacto, de cabeça baixa e com o coração que por pouco não explodia. Combinamos de nos ver às nove horas do dia seguinte.

(...)

Quando cheguei à frente da casa, olhei o relógio e me dei conta de que estava tremendamente adiantado.

(...)

Faltavam cinco para as nove. Não seria nenhum drama se eu tocasse a campainha um pouco adiantado. Logo depois de ter interfonado, eu o vi de relance atrás da janela, sem camisa. Ele levantou a persiana e disse com uma cara e um tom duros, irônicos:

- Faltam cinco minutos, fica aí esperando, eu te chamo as nove em ponto.

Naquele momento, eu ri estupidamente, mas agora, pensando na história, acho que era uma mensagem esclarecendo quem é que decidia as regras do jogo e quem tinha que respeita-las.
Ele tornou a aparecer na varanda e disse:

- Você já pode entrar.
(...)

Ele tinha deixado a porta aberta e eu entrei chamando baixinho por ele; ouvi uns barulhos na cozinha e fui naquela direção, ele veio a meu encontro e me parou com um beijo na boca, rápido, mas ótimo, que me fez recordar o seu gosto de morango.
- Vai por ali, eu chego em um segundo – disse indicando o primeiro quarto à direita.

Entrei no quarto dele, completamente bagunçado, era evidente que tinha acordado há pouco... Na mesinha-de-cabeceira, uma foto dele quando criança que eu toquei devagarzinho com um dedo. Atrás de mim, ele deitou uma moldura, dizendo que não era para eu olhar.
Agarrou-me pelos ombros e me fez girar, examinou-me atentamente e exclamou:

- Mas que porra de roupa é essa?!
- Vá se fuder – respondi mais uma vez magoado.

O telefone tocou e ele saiu do quarto para atender; eu não conseguia ouvir direito o que ele estava dizendo só uns pedaços de palavras e risinhos sufocados. Mas numa hora eu ouvi:

- Espera aí. Vou lá olhar e já te digo.

Enfiou a cabeça pela porta e olhou para mim. Voltou para o telefone e disse:

- Está em pé perto da cama com a mão no bolso. Agora eu vou comer ele e depois te conto. Tchau!

- 6 -

Voltou com uma cara sorridente. Sem dizer nada, ele baixou as persianas e fechou a porta do quarto a chave; olhou-me por um instante e abaixou as calças, ficando apenas de cueca.

- E então, o que você está fazendo vestido? Tira a roupa, né – disse com uma careta no rosto.

E ali estava eu, a poucos instantes de ter, não da maneira que esperava a tão sonhada primeira vez.
Ficou rindo enquanto eu tirava a roupa. Quando fiquei completamente nu, ele falou inclinando um pouco a cabeça:

- É, até que você não é tão ruim assim. Acabei de fazer uma aposta com um amigo.

Dessa vez eu não ri, estava nervoso, olhava para meus braços, que brilhavam com os raios que passavam pela janela.

- Que aposta? – perguntei.

Ele nem se deu ao trabalho de responder. Começou a me beijar no pescoço e foi descendo mais para baixo, pelo meu abdômen. Então, meio que sussurrando, disparou uma pergunta pra mim:

- Por que você não se depila? – sussurrou ele.
- Porque não – falei com o mesmo volume de voz -, eu prefiro assim.

Suas palavras e seus gestos eram ásperos, os beijos mecânicos, tudo, absolutamente tudo diferente do que eu imaginara. Tinha ainda a tal da aposta de qual eu tinha nenhum conhecimento. Já não sabia mais o que me prendia ali. Talvez o gostar.
Abaixando a cabeça, eu podia ver a sua excitação e então perguntei se ele queria começar.

- Como você quer fazer? – perguntou ele sem perder tempo.
- Sei lá, fala você... eu nunca fiz antes – respondi com um pouquinho de vergonha.

Deitei na cama desfeita e nos lençóis frios. Rodrigo deitou por cima e mim, olhou direto dentro dos meus olhos e disse:

- Fica por cima.
- Não vai me machucar se eu ficar por cima? – perguntei com um tom que era quase uma censura.
- Não tem importância! – exclamou sem me olhar.

Montei em cima dele e deixei que sua haste mirasse bem no centro de meu corpo. Senti dor, mas nada tão terrível (talvez devido ao lubrificante). Aliás, senti-lo dentro de mim também não provocou aquela loucura que eu estava esperando. O sexo dele dentro de mim só provocava queimação e incômodo, mas agora eu tinha que ficar grudado nele daquela maneira.
Nem um gemido saiu de meus lábios, mas dei um sorriso. Querer que ele soubesse da minha dor seria expressar os sentimentos que ele não queria conhecer. Ele quer usar o meu corpo, não quer conhecer a minha luz...

- Está sentindo alguma coisa? – perguntou quando começou a se mexer devagarzinho.
- Não – respondi.
- Como não? Será a camisinha?
- Sei lá – continuei -, não estou sentindo nenhuma dor.

Ele me olhou desgostoso e disse:

- Mas você não é virgem, porra!

Eu não respondi logo, olhando-o embasbacado.

- Com quem você transou hein? – perguntou, enquanto me empurrava e se levantava apressado, catando as roupas pelo chão.
- Com ninguém, eu juro! – disse bem alto.
- Bem, por hoje é só. Cai fora!

O resto é inútil contar... Fui embora sem coragem nem pra chorar ou gritar, só com uma tristeza infinita apertando meu coração e devorando-o bem devagar.

(...)

Dias depois vim me lembrar da a tal da aposta, quando uns caras da escola começaram a zoar comigo.
Ele sequer me olhava quando nos encontrávamos e se o fazia, era com certo ar de sarcasmo. Isso me machucava ainda mais.

(...)

Hoje minha mãe olhou para mim com olhos curiosos e perguntou com um tom imponente em que eu andava pensando tanto naqueles dias.

- Na escola – respondi com um suspiro -, estou cheio de trabalhos.

Voltei para meu quarto. Desfiz a cama e enfiei-me debaixo das cobertas, molhando os lençóis com minhas lágrimas me lembrando então o quanto havia perdido.
Perdi entre lençóis frios demais e as mãos de alguém que devorou o próprio coração, que já não bate mais. Morto. Eu pelo menos tenho um coração, mesmo que ele não perceba, mesmo que ninguém nunca perceba. E então fiz uma promessa, um juramento. Antes de abri-lo novamente, vou entregar meu corpo a qualquer um. Por dois motivos: porque me saboreando, talvez sintam o sabor da minha raiva e da amargura e por isso podem sentir um pouco de ternura, e depois porque vão se apaixonar pela minha paixão até não poder mais passar sem ela. Só depois disso é que me entregarei completamente, por inteiro, sem enrolação, sem obrigações, para que nada daquilo que eu sempre desejei se perca. Vou então aperta-lo entre meus braços e farei com que esse amor cresça como uma flor rara e delicada, atento para que um sopro de vento não estrague de repente. Juro.

- 7 -

(...)

Três semanas se passaram desde o acontecido, e eu ainda sou capaz de lembrar de tudo. Do seu hálito de morango, de seus dentes luminosos, do seu corpo de músculos definidos e do calor que este emanava. Três semanas e ainda sinto seu descaso para comigo. E isto talvez seja o mais difícil de esquecer.
Foram necessário semanas para que eu assumisse meus desejos secretos, que os deixasse vir à tona. Dias e dias até que minha coragem ultrapassasse minhas dúvidas; superasse meu medo. Medo de mim mesmo, dos outros, das descobertas que eu faria e das coisas que esconderia. Medo do que viriam a pensar de mim caso viessem a descobrir qualquer coisa. E então aconteceu. E ele, porém, não compartilhava das mesmas opiniões que eu.

(...)

Ajeitei-me no banco. Conseguia vê-lo chegando. Estava ainda mais bonito, com uma camisa pólo rosa-bebê, justa, que lhe ressaltava o peitoral que começava a se definir. Quando chegou bem próximo pude rever o brilho de seus dentes. Percebi então um novo brilho – o de seus olhos.

Era estranho, ele estar ali, na escola, àquela hora.

- Que bom que você está aqui – falou, abrindo um largo sorriso.
- Estou curioso. – respondi. E feliz, pensei, mas não admiti.
- Eu te amo! – disse ele, com um sussurro.

Fiquei paralisado. Tomado por uma série de emoções, que me confundiam e me aceleravam o coração. Ainda incrédulo, e com mais medo ainda que fosse uma nova brincadeira, lhe perguntei:

- O que? , o que você disse Rodrigo?

Sorrindo e agora tendo minhas mãos entre as suas ele repetiu:

- Eu disse que te amo, e que só consigo pensar em você.

Passou então a mão por trás de minha nunca me trazendo pra junto de si. Fechei os olhos devagar. Ali estávamos. Somente eu e ele no pátio da escola. E eu já podia novamente sentir seu calor.
Quando seu rosto estava próximo e eu já podia sentir novamente seu hálito de morango, a sirene tocou. Assustados, nos separamos com ele ainda me olhando. E me olhava de uma maneira profunda, porém triste. Então os alunos começaram a surgir apressados, vindos de diversos pontos, como um enxame de abelhas ensandecido. E a sirene ainda tocava cada vez mais alta. Aos poucos ouvi sua voz, agora ao longe, me chamando.
E ele ia se afastando. Se distanciando.
A sirene ainda tocava, e o pátio já estava cheio. Meu nome soou mais forte agora. Mas não parecia mais sua voz. Era uma outra voz. E então abri meus olhos.
Eram 06:15 e minha mãe me chamava na porta.

- Vai perder a hora!
- Já estou indo – resmunguei – esfregando os olhos, ainda zonzo de sono.

Ainda era capaz de sentir-lo próximo a mim. Mas em minha boca havia um outro gosto: Amargo.

Desliguei o despertador. Outros sons então começaram a encher meu quarto. Sons de veículos que circulavam pais que acompanhavam seus filhos à escola, breves marteladas na construção, em frente a minha casa. Levantei-me e fui ao banheiro.

(...)

Mesmo agora ainda o desejo. Agora, enquanto me olho no espelho e escovo meus dentes, eu o desejo. E junto com a pasta que cuspo, tento tirá-lo da mente. Já não consigo mais ver minha imagem do mesmo jeito. Não me admiro mais.
E sempre que a imagem dele me vem a mente, concentro-me e procuro lembrar do que me ocorreu dois dias atrás, quando eu ouvi pela primeira vez, sobre a tal aposta. Era um dia de prova.

- 8 -

(...)

A prova de Geografia daquela quarta seria uma aula antes do intervalo, e eu não havia estudado nada. Os últimos acontecimentos me deixaram péssimo, sem vontade. Prova terminada, sai da classe. Faltavam ainda quinze minutos pro intervalo.
Houve um momento, que até cheguei a esquecer a tal da aposta. Não imaginava que alguém era capaz de achar os outros, assim tão sem importância. Quando as brincadeiras dos primeiros dias haviam acabado, os meninos que a faziam jogavam futebol com ele deduzi que talvez o estivessem fazendo devido a algum comentário bobo. Até porque só falavam algo quando estavam em grupo. Sozinhos limitavam-se a cumprimentos e breves risinhos.

Mas então aconteceu. E foi a pessoa de quem eu menos imaginava que me falaria dela...

Passei por ele no pátio, seguindo em direção a quadra. O cheiro de comida quente vindo do refeitório, me agitou o estômago. Lá dentro as cozinheiras jogavam conversa fora e riam. Ora da vida alheia, ora de algum programa que haviam visto na tv.

Abri o pequeno portão de tela de ferro que me separava da quadra. Este rangeu. Uma vez lá dentro me esparramei pelo chão. Olhos fechados, rosto voltado pro sol quente. Tão quente que àquela hora já torrava os miolos. E talvez fosse realmente isso que eu estava procurando incinerar os meus. Tirar de lá todos os maus momentos, todas as angústias.
Eu estava ali já há algum tempo, esquecido do mundo, quando ele chegou. Sua sombra cobriu meu sol. Abri os olhos, espantado de vê-lo ali, e antes que eu exclamasse qualquer coisa ele começou:

- Precisamos conversar – e vendo que ainda não reagira, concluiu - sobre o Rodrigo.

Ele me deixara desconcertado com sua frase. Pensando melhor, sua presença ali já me espantou. Ele era da minha classe.

- 9 -

- Luciano?! – balbuciei finalmente, quase num sussurro.

Percebendo o leve bambeio que me acometera as pernas enquanto levantava, passou seu braço por trás de meu ombro sugerindo que conversássemos em outro lugar.

(...)

- Quer perder a hora hoje? – perguntou minha mãe, na porta do banheiro a me olhar.
- Já to indo – resmunguei me recompondo.

E estranho como nossa cabeça funciona. Às vezes sou capaz de rever situações que se arrastaram por dias em apenas alguns segundos. Estes dias, em especial, estou muito disperso.
Voltei pra meu quarto e peguei minha mochila em cima do pequeno sofá e a coloquei nas costas. Desci apressado as escadas rumando pra cozinha para uma breve despedida. Minha mãe me olhou. Enquanto ajeitava a gola de meu uniforme e beijava meu rosto, aproveitava pra chamar minha atenção.

- Que anda acontecendo com você hein, meu pequeno?
- Nada não – respondi, desviando o rosto, já tentando me esquivar.
- Filho – continuou enquanto me segurava pelo braço. Você já esteve aqui – disse enquanto acariciava a barriga – portanto acho que te conheço.
- Mãe – respondi – eu já estou atrasado e não estou com nenhum problema.

Então ela me olhou profundamente, um olhar que chegava ao fundo de mim e concluiu:

- Sei que às vezes pareço meio ausente, e isso se deve a problemas que você conhece, mas eu estou aqui. Pra qualquer coisa, entendeu? – perguntou concluindo - qualquer coisa.
-
Concordando com a cabeça, já arrasado, falei:

- Entendi.

Sai de casa e o sol já veio em meu encontro. Era duro pra ela, eu sabia. Nenhuma mãe quer ver o sofrimento do filho. A minha não seria diferente.

(...)

Sentamos-nos à sombra, numa das pequenas mesas do refeitório. Enquanto, ele se ajeitava ia narrando tudo que sabia de minha história.
Luciano começara em minha classe na metade do ano. Pouco se sabia de sua vida particular, já que ele costumava ser quieto. Tinha porte de nadador, mas estilo nerd. Sentava no fundo da classe, e diferente dos outros, pouco zoava. Era esforçado.
Reparei nele enquanto falava. Seus olhos vivos, expressivos, com cílios longos e cantos rasgados, suavizavam o rosto amadurecido na marra. Fiquei sabendo depois que ele era o filho do meio de três. Havia parado os estudos no ano anterior devido à morte do pai a quem, segundo me disse, era muito apegado.
As lágrimas desciam pelo meu rosto. Senti seu gosto salgado, quando tocaram meus lábios.

- E eles não te viram durante todo esse tempo – perguntei
- Com certeza não.

O rato que me roia a alma se transformara. Era agora um corvo que me desferia longas bicadas.

(...)

O que me despertou novamente a atenção foi um assovio, vindo da construção em frente a minha casa. Após o assovio veio um gutural bom dia. Era um dos pedreiros. O mais novo penso eu. Retribui seu bom dia com um aceno de cabeça. Ele sorriu. Não sei se foi impressão, mas aproveitou enquanto eu lhe olhava para dar uma ajeitada na calça. Achei estranho.
Olhei pro relógio.

- Meu Deus! – E corri.

- 10 -

(...)

Cheguei na escola em cima da hora. Logo na entrada topei com Breno, que descia do carro de sua mãe. Por instantes nossos olhares se cruzaram. Virei-me e segui escola adentro. Sentindo-me incomodado, olhei pra trás, e lá vinha ele. Agora me olhava, deixando despontar em seus lábios um leve risinho. Fechei a cara e apertei o passo.
O professor já havia começado a aula. Pedi licença e entrei. Ajeitei-me no meu lugar, e olhei pro fundo da sala procurando pelo Luciano. Ele não estava lá. Estranhei, ele não era de faltar.

(...)

- Não sei se você sabe – continuou a conversa, quando notou que eu estava mais calmo - mas eu trabalho no clube na parte da tarde.
- Não – respondi - não sabia.
- Pois então... – continuou

E então ele me contou em detalhes, o que ouvira no banheiro, enquanto se trocava pra começar seu turno. Então ele relatou a chegada, em meio a risos, do Rodrigo e do Breno. Contou-me como se espremeu entre os armários.
Falou de como riam a cada detalhe que o Rodrigo contava. Falou também do dinheiro. Não soube dizer-me, porém o quanto fora o valor de “minha venda”.
Meu estômago ardia e minha cabeça estava preste a explodir. As lágrimas rolavam sozinhas. Um ódio me consumia. Um ódio que estava mal direcionado. Que não ia à direção de nenhum deles, vinha na minha.

- Mas, por que – perguntei a certa altura – por que tamanho interesse, em tudo isso?
- Primeiro como já lhe disse, porque eu não tinha como sair do banheiro – respondeu enquanto pegava minha mão entre as suas. Senti certo desconforto com a situação... depois – continuou – porque a conversa não parou por ali.
- Não – perguntei, enxugando as lágrimas.
- Existe algo mais que precisa saber...

(...)

O sinal colocou fim na primeira aula. A lousa estava cheia. E eu sequer havia começado a copiar. Ia precisar de um caderno emprestado.
Levantei-me, e fui até a mesa da Alessandra.
Houve uma época em que éramos grandes amigos. Eu e a Marisa. Mas suas novas companhias não me agradavam, e acabei me afastando. Nossos papos agora, se resumiam a assuntos da aula.

- Lê! – comecei.
- Oi – disse virando-se em minha direção.
- Sabe se aconteceu algo com o Luciano – indaguei.

Ela fez cara de espanto. Talvez não esperasse nenhuma pergunta daquelas.

- Não sei não – ela respondeu e aproveitando emendou uma pergunta – mas porque o interesse?
- Hum – disse tentando pensar algo que pudesse convencê-la. Ele tinha uns documentos do clube pra me entregar – conclui de modo não muito convincente.
- Ah ta! – concordou visivelmente descrente. Não sei nada, dele não.

(...)

- Você tem certeza disso que ta me dizendo, Luciano? – perguntei incrédulo. Com certeza, se alguém me olhasse naquele instante, veria chispas brilhando em meus olhos.
- Absoluta – ele falou. Absoluta.

Senti calafrios subindo pelo meu corpo. Minhas mãos estavam suadas e as lágrimas, haviam secado. O ódio me dominara.

- Mas fica calmo – ele recomeçou.
- Impossível – falei, com a voz já alterada. Impossível.

O barulho dos vários alunos que agora se aglomeravam ao nosso redor me distraiu.

- Almoça comigo sábado? – perguntou ele, enquanto caminhávamos na direção das escadas.

Após um longo silêncio, assenti com a cabeça a seu convite. Terminava de beber água, naquele que talvez fosse o único bebedouro com água gelada de toda escola. Meus pensamentos, porém estavam longe dali. Um piso acima.

- Vou pegar esse Breno – pensei em voz, não tão alta. Ah eu vou.

(...)

As aulas do dia iriam somente até o intervalo já que o professor de matemática havia faltado. Dei graças a Deus, pois a aula dupla de química estava um saco, e o calor na sala beirava o insuportável.
Liguei pra casa e avisei minha mãe que iria almoçar na casa de minha avó.

- Que bom filho – respondeu ela do outro lado da linha. Ela vai gostar.
- Volto umas três horas – falei.
- Talvez eu não esteja em casa. – disse - vou sair com a Tereza. Mas sabe onde eu deixo a chave, né? – perguntou.
- Sei sim – respondi
- Ta certo – falou antes que eu desligasse.

Já estava quase no portão, quando uma voz atrás de mim me chamou. Era ele.

- 11 - (01/02/09) Domingo

(...)
Dizem os estudiosos, num artigo que li já há algum tempo, que é ainda dentro da barriga de nossas mães, que começamos a sentir afeição ou aversão a alguém.
Li-o muito superficialmente. “Antes de estarmos prontos pra nascer já identificamos certas vozes (primeiramente de nossa mãe), e situações (de conforto ou desconforto).” - dizia o texto – “... e como nos alimentamos a partir do cordão umbilical, quando nossas mães têm desentendimentos, ou passam por situações de stress, elas nos libera substâncias de sabores desagradáveis. É por isso então que você chorava quando aquela tia, que não se dá com sua mãe, te pegava no colo...” concluía a certa altura.
Queria eu sentir ódio naquele momento. Um desejo que as coisas se voltassem contra ele, e então ele visse em mim uma espécie de salvador. Um alento em meio a um turbilhão.
Ai então eu poderia desmerecê-lo, trata-lo como um qualquer. Ou acolhe-lo (o que era muito mais provável).
Entretanto, quando ouvi a voz dele, instantaneamente a reconheci. E parece que meu corpo também, pois na fração de segundos existente entre ele me chamar e eu me voltar para sua direção, tive tempo para ter disritmia, sudorese.

- Rodrigo. – falei.

O sonho me veio a mente.

- Como é que você está? – me perguntou enquanto me estendia a mão pra um cumprimento.
- Bem – respondi com cara desgostosa.

Não ouvia sua voz há dias. Agora ele estava ali, pertinho de mim. Cabelo jogado pra trás, camiseta branca, cueca azul a mostra por baixo da bermuda preta que insistia em cair.

- Você sumiu – continuo a conversa, como se fossemos amigos há milênios que não se viam há décadas – o que aconteceu?
- Nada – respondi monossilábico, tentando espantar certos desejos da mente. Desejos que não conseguiam mais se manter ocultos.
- Não me liga mais - falou agora com um sorriso no rosto – Te fiz alguma coisa?

Preferi manter silêncio. O sonho agora gritava. Segurei-me. Quais as possibilidades de certas partes dele virem se tornar reais? Seria capaz, acho eu, de esquecer tudo. Se isso acontecesse, esqueceria suas grosserias, meus receios, seus erros, minha promessa.

- Já está de saída? – ele perguntou
- Sim – respondi – já estou sim.
- Quer me esperar? – tornou a perguntar. Podemos ir embora juntos, o que acha?
- Hum... – parei pra pensar. O que veio fazer aqui? – indaguei agora

Sua resposta tornou a me desiludir. O sonho sumiu. No seu lugar ressurgiu a tal da aposta e o acordo que eles ainda tinham em mente. Ele e o outro.

- Vim falar com o Breno – respondeu – você o conhece, não é?
- Sim – respondi já de rosto mudado. Conheço sim. Infelizmente – pensei

- E então – continuou ele – vai me esperar ou não?
- Definitivamente não! – conclui – Estou com pressa.

Essa minha resposta talvez não fosse a esperada. Meio desgostoso Rodrigo insistiu:

- A gente podia aproveitar esse fim de tarde lá em casa, na piscina - disse abrindo agora um risinho de canto e piscando pra mim. O que acha? – perguntou.
- Não – disse ajeitando a mochila nas costas. Não mesmo.
- Tudo bem – disse, com o costumeiro ar de pouco caso. Você sabe o que está perdendo.
- Sei sim – falei. Sei sim.

Enquanto apertava minha mão, se despedindo, esfregou seu dedo anelar na minha palma, insinuando leve brincadeira. Mantive meu rosto fechado.

- Falo cara! – ele disse. Vê se me liga.
- Pode deixar – falei me virando e andando escola afora.

Meses difíceis esses. Encontros e desencontros demais.

(...)

Desisti de ir até minha avó, e o caminho de volta pra casa resolvi fazer por dentro do parque. Comumente conhecido como Jardim Público, o parque já fora outrora um cemitério. Hoje era um parque com grandes e velhas árvores, chafarizes, pistas pra caminhada. Costumava ser movimentado aos finais de semana.
Poucas pessoas circulavam por ali àquela hora. Na parte de cima, numa área aberta do lado esquerdo, ficavam as chamadas “barraquinhas”, onde os artesões da cidade se prestavam a divulgar e vender seus produtos.
Passei devagar por elas. Brincos, pulseiras, anéis ficavam lado a lado de salgados, bolos e tortas. Perguntava-me se eles viviam somente daquilo, quando reparei numa barraca nova.
Um pano de feltro preto estendido cobria toda sua extensão tornando-a semelhante a uma mesa. Sobre ela espalhada se viam alguns cristais, miniaturas de anjos, bruxas e gnomos. Havia também um incenso queimando. O aroma era bom, algo adocicado. Um pequeno sino, comumente conhecido como mensageiro dos ventos, preso no alto balançava de acordo com as rajadas de ar. Uma profusão de culturas misturadas. Na frente havia uma cadeira de ferro ainda fechada.

Contive-me para não rir, quando ela surgiu, vinda da parte de trás da barraca


- 12 - (Segunda Feira - 02/02/09)

(...)


A velha senhora parecia pronta pra uma festa à fantasia. Trajava uma espécie de vestido azul escuro, que depois notei se tratar de um conjunto de blusa e saia. Um grande lenço rosado, com pequenas “moedas” presas nas pontas lhe cobria os cabelos. O rosto enrugado era maquiado de maneira exagerada. Destacava-se nele uma pinta esverdeada, visivelmente artificial, na bochecha direita e um escuro batom vermelho nos lábios, fazendo me lembrar às ciganas que perambulavam pelas ruas quando criança.
Notava-se também um tom rosado nas bochechas e um certo sombreado negro sobre os olhos. Trazia diversas pulseiras nos braços, que tilintavam enquanto ela se movimentava. Suas unhas pintadas usavam o mesmo tom de vermelho dos lábios.

- Quer saber sua sorte, meu jovem? – perguntou-me com voz rouca, enquanto ajeitava a saia.

Seus olhos traziam consigo certa amargura, fazendo me identificar de imediato. Ainda assim não sentia confiança em tudo aquilo. Ela vai faturar mais que todos os outros – pensei. Muita gente acreditava nisso.

- To sem dinheiro senhora – respondi de forma respeitosa, tentando me esquivar.

Ela me olhou, agora ainda mais profundamente. A fumaça do cigarro que tinha nos lábios lhe cobria o rosto, lhe dando um ar sinistro. Ela então disse:

- Mesmo que tivesse dinheiro, não pagaria. Não acredita, não é verdade? – perguntou.
- Realmente sou meio incrédulo – respondi.
- Então vamos fazer o seguinte - disse enquanto entrava em minha frente e pegava a cadeira de ferro. Vou te dar uma chance de ver que as cartas não mentem – concluiu a conversa usando um clichê e me apontando a cadeira já armada para que eu me sentasse.

Não tenho nada a perder, pensei. Alda, uma tia minha, que vivia em videntes e tarólogas, portanto já experiente no assunto, disse certa vez:

- O importante é não se expor demais. Não demonstre alegria e menos ainda expectativa. Os charlatões são rápidos em saber o que te envolve.

Ri por dentro, e por um momento me senti livre dos problemas. Gostava de minha tia. Tinha ótimas lembranças dela.
“Preste atenção” – dizia enquanto gesticulava os braços. “Eles começam falando de tudo, até perceberem um certo interesse, um pequeno brilho nos olhos. Ai então é que eles te pegam. Cuidado”.
Ajeitei-me na cadeira. Ela voltou pra parte de trás da pequena barraca. Acendeu uma vela, num pequeno pires que até então eu não tinha reparado. Cabeça baixa, mãos justapostas, se pôs a dizer algo numa língua que eu não era capaz de entender. Pareceu-me uma oração.

Após alguns minutos, que pra mim demoraram em excesso, ela pôs sobre a “mesa” uma pequena caixa de madeira.
De lá, enrolado num pano vermelho, ela tirou um baralho.
Espantou-me o fato de ser um baralho comum, desses que a molecada da escola usava pra jogar truco no intervalo.

Senti a princípio uma certa decepção, mas o respeito e o ritual com que ela o envolvia me deixou curioso. Ela pôs se então a embaralhar as cartas.
Aos poucos ia passando-as pela fumaça do incenso que quase terminara.

- Pra limpar de antigas influências – me explicou.

Assenti com a cabeça.

Após a “limpeza”, ela tornou a embaralhar as cartas, formando ao final um único monte com todas elas, o qual colocou no centro da mesa.
Peguei o monte e o desmembrei em três menores, como ela me pedira. Ela tornou a uni-los. Deu um leve sopro na carta de cima e uma última embaralhada.
Por instantes pensei se meu destino estava realmente ali.
Então começou a virar as cartas, espalhando as vagarosamente.


(...)

- 13 - (Terça Feira - 03/02/09)

(...)

Seis de Paus, Reis de Copas, Valete de Ouros. Aos poucos todo o país das maravilhas estava ali, de frente pra ela. Seus olhos se fecharam por causa da fumaça do incenso e quando os reabriu pareciam mudados.
Um arrepio me subiu pela espinha. Senti-me tenso de repente. Ela então começou a falar o que via ali.

- O futuro não existe – começou – e o passado já se foi. Você só tem o hoje, e é por isso que ele leva esse nome: Presente.

Sorri. Será que era assim que ela costumava começar suas consultas com todos os clientes?

- O passado, como eu disse já se foi – continuou – porém temos uma tendência a vivenciá-lo diariamente. Deixamos de seguir novas oportunidades, por lembrar de perdas antigas e continuamos perdendo por medo de mudar.

Após vários comentários: que iam da escola à família passando por amigos e amores, os quais talvez fossem semelhantes a todos seus consulentes, ela falou:

- Uma desilusão o tem incomodado.

Tornei a lembrar naquele instante, das palavras de minha tia: “Procure sempre disfarçar na frente deles, pois é logo no primeiro sinal de acerto que eles te pegam”. Disfarcei, porém concordei:

- É verdade.

Ela continuou:

- Para encontrar o amor, que tanto procura, vai ter que cumprir com sua promessa.

Impossível não ficar boquiaberto naquele momento. Ninguém, além de mim mesmo, sabia da promessa. Arrepiei-me novamente e os pêlos de meus braços se eriçaram.

- Você vai ter realmente que trilhar o caminho do excesso – continuou enquanto apontava uma carta sobre a mesa – para poder se libertar.

Ameacei um gaguejo.

- Porém – continuou agora, enquanto seus olhos me examinavam - fique tranqüilo. Você ainda não conheceu a pessoa por quem procura. E vai ser justamente através desse caminho que ira conhece-la.

Desse ponto em diante, todas as outras coisas que ela mencionou me pareceram fazer o mais absoluto sentido. Fiquei meio fora do ar. Não conseguia prestar mais atenção em nada, até que ela então anunciou, de forma algo profética:

- Preste muita atenção meu filho – começou – pois, a selva escura pra qual caminha trará consigo o corpo que bóia.

Mostrei-me confuso. Toda clareza com que falara até agora sumira e em seu lugar surgiu aquela frase. O que ela queria dizer?

- Não entendi – falei – o que a senhora quer dizer com isso?
- Basta prestar atenção. O excesso lhe mostrará – conclui, enquanto começava a juntar as cartas novamente.

Baixando a cabeça, ela reiniciou sua oração. Notei que minha consulta terminara. Levantei-me da cadeira apanhando minha mochila no chão.

- Corpo que bóia? – me perguntei em voz alta – O que significaria aquilo.

Tomei o caminho de volta pra casa. Estava esfomeado.

- 14 - (04/02/09 - Quarta Feira)

(...)

Senti sua respiração atrás de mim, estava acelerada. O calor que seu corpo emanava era intenso. Sua mão pequena e calejada pousou em minha cintura, e ele trouxe meu corpo pra junto do seu.
Seus lábios tocaram de leve minha nuca. Senti então, o volume que se formava sob sua calça roçar em mim. Estava duro.

- Você me deixa louco, sabia? – sussurrou em meu ouvindo antes de enfiar sua língua nele.

(...)

Cheguei exausto em casa, mais de pensar do que de andar. O corpo que bóia, tornei a lembrar. Que loucura seria aquela. O fato de ela ter mencionado minha promessa intima me impediu de desacreditá-la. Minha tia com certeza, iria adorar conhece-la.
A casa estava vazia. Esquentei a comida e preparei um bom prato. Almocei largado no sofá da sala, TV ligada. Fiquei ali uma meia hora. Notei então uma ausência de ruídos na casa a frente. Levantei e ao levar o prato até a cozinha, notei um molho de chaves sobre a mesa. Embaixo dele havia um bilhete.

“Chaves da construção”.

Peguei minha mochila no sofá e subi pro meu quarto. Iria tomar um bom banho pra relaxar.
Banho tomado parei em frente ao espelho pra me ver. Tinha isso como hábito. Fiquei ali, murchando a barriga, analisando os músculos de meu braço. Empinei a bunda, fiz caretas. Aproveitei para apertar uma pequena espinha próxima a meu nariz no meio da escovação dos dentes.
Corpo enxuto, toalha enrolada, fui pro meu quarto de encontro a um monte de shorts sobre minha cama. Abri a janela pro ar circular. Tinha uma vista bonita de lá. Um observatório de ruas, um horizonte de tijolos.
Nem bem me deitei e a campainha disparou enlouquecida.
Fui até a janela para espiar quem era.

(...)

A velha viúva chegava diariamente às sete. O fusquinha branco com bancos de couro caramelo, que ela dirigia estava bem conservado. Usava roupas discretas e um tom azulado nos cabelos. Era sua voz, porem, sempre que entrava na obra dando ordem aos pedreiros, o que chamava a atenção para si.
A construção parecia enorme, levando em conta o tamanho do terreno.
Eram quatro, os pedreiros ali. Com o passar dos dias, fui descobrindo seus nomes e diferenciando-os entre si.
Demá, o chefe deles (que talvez se chamasse Valdemar), era um moreno queimado de sol. Aparentemente o mais velho, tinha pelos aloirados no peito largo e nos braços. Costumava andar pela construção com o botão de sua calça jeans desabotoado e um boné azul descorado, lhe cobria o rosto.
Lucas, o que eu apelidara de “braço direito”, era bem clarinho. A cabeça raspada salientava as sobrancelhas bem desenhadas e os olhos negros.
Oto, que vim saber se chamar Everton, era um loirinho marombado que tinha uma grande índia tatuada nas costas. Costumava estar sempre com uma bermuda jeans rasgada nas pernas.
Havia ainda um quarto pedreiro. Talvez o mais simpático deles, era o que costumava me cumprimentar sempre que eu passava. Um moreninho muito bonito, malhado de trabalho e cujo nome eu ainda desconhecia. Era visivelmente o mais novo.

(...)

Desci as escadas, apressado, enquanto gritava um já vai.

- Oi – me falou ele assim que abri a porta.
- Oi – respondi.

Nossos olhos fizeram o mesmo percurso nesse momento. Eu pelo corpo dele e ele pelo meu. O silêncio imperou por instantes. Foi ele quem retomou, de modo meio “acaipirado”:

- Vim buscar as chaves que o Demá deixou com sua mãe. Pode pegá pra mim?

Demorei alguns segundos pra responder.

- Posso sim, só um minuto.

Caminhei casa adentro, em direção à cozinha, voltando minuto depois com o molho de chaves em mãos. Entreguei lhe, perguntando:

- Nada de serviço hoje?
- Hoje à tarde não – respondeu, enquanto descia o pequeno degrau que havia em frente de casa.
- Sossego hein! – sorri
- Ta afim – disse me apontando a construção com um pequeno gesto de cabeça - de ver como andam as coisas por lá?

Pensei por um instante. E concordei. Fechei a porta de casa e fomos em direção à futura casa, e ao que viria ser algo mais. Seu nome, agora eu sabia, era João.

- Pode me chamar de Binho – disse assim que colocamos nossos pés construção adentro.
15 - (05/02/09 - Quinta - Feira)

(...)

Ele colocou a bicicleta com a qual chegara até ali, para dentro, sobre um monte dessas pequenas pedras azuladas tão comuns em construções. E fechou o portão de madeira atrás de nós. Vendo meu espanto falou:

- É pra nossa segurança.

Enquanto caminhávamos, ele tirou a regata branca que realçava seus braços morenos e a prendeu no bolso de trás do jeans surrado.
Binho era realmente bonito. Uma beleza máscula e simples. Barriga “chapada” como costumavam dizer. Podia se notar ali, pequenos “gomos”, todos bem desenhados.

- É a capoeira. – disse ele, assim que notou meu olhar perdido.

Ele tinha um leve sorriso no rosto. Notando meu embaraço emendou:

- Pode andar por ai se quiser. Sinta se à vontade.

A obra ficaria parada naquela tarde, para que a massa que haviam passado nas paredes pudesse secar. Ele só voltara me disse, na intenção de buscar o celular que havia esquecido. Eu que nunca havia conversado com ele antes, mas me sentia muito à vontade em sua presença. E estava certo do que estava prestes a acontecer. Era de minha vontade, não nego, e parece que ainda mais a dele.

(...)

Ele ia me explicando cada um dos cômodos, conforme íamos nos adentrando na construção. Sala de estar, sala de visitas, cozinha, dispensa...

- Pra que uma viúva quer uma casa tão grande? – perguntei em voz alta.

Ele prontamente a respondeu:

- Parece que o filho dela e nora dela estão vindo morar na cidade.
- Ahhh – resmunguei.

Chegamos então ao pé da escada que nos levaria ao piso superior.

- E lá em cima – perguntei – o que vai ser?
- Sobe lá – falou – vou pegar meu celular e num instante já subo pra te explicar.

Concordei, e subi as escadas devagar.
No piso de cima podia se deduzir que os três grandes cômodos viriam a se tornar quartos. Havia ainda um banheiro de bom tamanho. O último cômodo, o maior deles, e que visivelmente seria o quarto do casal, tinha uma suíte, com direito a banheira e tudo. Havia também uma grande janela, que permitia ver todo o quintal e as ruas adjacentes da parte de trás. Era uma vista bonita.
E eu estava ali distraído com a vista quando ele retornou. Por instantes ouvi seus passos trazendo-o cada vez mais próximo. Um leve arrepio me percorreu o corpo. Eu estava excitado com a situação e o meu coração estava disparado.

- Bonita a vista daqui – falei sem me virar
- Eu também acho – disse colocando sua mão em minhas costas. Eu realmente acho

Senti então sua respiração em minhas costas...



- 16 - (06/02/09 - Sexta feira)

(...)

Quando nossos corpos já estavam suados, pensei em desistir. Desvencilhei-me dele.

- Pode chegar alguém – aleguei.
- Mas eu tranquei o portão – replicou ele com cara de espanto.
- Sim – continuei – mas minha casa está sozinha. Se minha mãe chegar vai estranhar que eu não esteja lá – disse já caminhando em direção a escada.

Pegando-me pela mão, pediu-me de forma carinhosa, enquanto abria o botão e descia o zíper de sua calça:

- Não me deixa assim não, por favor.

Usava uma cueca branca que parecia não dar conta de guardar o que ele trazia ali. E alguns pêlos escapavam por cima do elástico fino.
Ainda segurando minha mão, ele me puxou pra mais perto e me fez apertar seu membro, que ele dizia doer de tão duro.

- Sente como ele está teso – falou – tudo isso por sua causa.

Rindo quando notou que minha excitação também era tamanha, começou então a dizer safadezas baixinho em meu ouvido. Fui aos poucos me entregando.

Agarrou-me novamente e suas mãos voltaram para minhas costas. Permitiu-se agora percorrer com elas minha bunda. Por longos instantes, enquanto me beijava o pescoço, roçamos nossos membros.

- Na boca não - disse no momento que tentei lhe beijar. É íntimo demais.

Pensei então, que estávamos prestes a realizar coisas que, ao menos para mim, eram com certeza bem mais íntimas, mas não insisti. O beijo se restringiu então a todas as partes de meu corpo, menos a boca.

Meus velhos medos: do desconhecido, da reação de outras pessoas, da dor e agora também da proximidade de minha casa iam se esvaindo. Vi me transformar aos poucos em outra pessoa. Anseios e medos vieram a se misturar, e um calor se apossou de mim tornando meu desejo, algo incontrolável, animalesco. Senti-me promíscuo, devasso. E... gostei.

Assim que notou essa minha alteração, ele tirou seu membro pra fora da pequena cueca. Seu “pau” era bonito, um pouco torto pra direita, diria até que era perfumado. Diferente do meu e também do Rodrigo. Comecei acariciando-o e vagarosamente cai de joelhos. Aos poucos o sorvi.

Ele me acariciava os cabelos enquanto eu o chupava. Sua barriga mostrava a respiração acelerada. E eu não saberia dizer ao certo o que me proporcionava prazer ali, se a situação arriscada, se o prazer dele ou se todo o conjunto.
Quanta diferença existia entre um estudante e um peão de obra, no trato dispensado a mim.

Com suas mãos ainda segurando minha cabeça, ele passou a conduzir a felação. Vez ou outra soltava longo gemido.
Fortes sucções na glande e longas lambidas no “corpo” enquanto minha mão se ocupava em lhe acariciar as “bolas”. Aos poucos percebi o que lhe dava mais prazer. Percebi também que o fato de meu “instrumento” ser semelhante e pertencermos a uma mesma “espécie” faria com que eu sempre soubesse o que fazer. Bastava seguir minhas próprias vontades.

Abri minha bermuda e comecei a me masturbar. Molhei meus lábios e segurando seu membro pela base, acelerei o vai e vem.

Ele então me tirou da boca.

- Melhor irmos pra um outro cômodo – falou enquanto já subia as calças – vamos continuar lá.

Fiz cara de contrariado, de quem não estava entendendo.

- Se você continuar mais um pouco – concluiu – quem não vai agüentar aqui sou eu.

- 17 -

Descemos as escadas de mãos dadas, fazendo breves brincadeiras. Dirigimos-nos para um cômodo nos fundos, onde ele estivera outrora. Chegamos aquilo que eu chamaria de depósito. Sacos de cimento sobrepostos dividiam o espaço com as típicas ferramentas de trabalho (pás, enxadas, martelos entre outras). Havia ainda algumas latas de tinta cobertas por um grande plástico preto.
Levou-me até uma pilha de tijolos logo a nossa frente. A esquerda estendido no chão havia um grande e grosso papelão, desses de caixa de geladeira, que eles usavam para um breve descanso após o “almoço”.

Sentei-me sobre os tijolos. Ele, calça aberta novamente, disse-me enquanto balançava o membro semi-ereto:

- Deixa ele firmão de novo, deixa, pra que a gente possa continuar nossa brincadeira.

Retomei o boquete.

Aquele cômodo era muito mais abafado, pelos materiais que se amontoavam ali e também pela ausência de uma janela grande como a do quarto de cima.

Sua respiração voltou a se acelerar. Permaneci de olhos fechados, e com isso percebia ainda mais os sons ao meu redor. Seus gemidos, os leves piados de pássaros que aproveitavam os espaços entre as telhas para se aninhar. Mais distante, o som de carros que vez por outra cruzavam a rua.
Não sabia há quanto tempo estávamos ali. Meus medos e preocupações já haviam sido postos de lado e naquele instante só existiam duas pessoas: eu e ele. E era nisso que eu pensava. Em nós.

Um leve aguaceiro começou, aumentando o calor, e aguçando ainda mais os odores ao nosso redor. Ora um cheiro de terra molhada, ora um cheiro de cimento. Mas era o cheiro de suor e de sexo quem dominava.

(...)

Senti-me nauseado por duas vezes, com ele me forçando a “engolir” mais do que conseguia.
Lá fora a chuva apertou. De pé nos desvencilhamos do resto de roupa que ainda nos cobriam.

- Fica ali – disse apontando o papelão – Fica de quatro pra mim.

(...)

Suas primeiras investidas me provocaram grande ardência e certo desconforto. Fiquei tenso.

- Relaxa – falou. Relaxa pra que eu consiga colocar.

Ele me surpreendia a cada instante.

Vendo que eu não consegui relaxar o suficiente, separou minhas nádegas e se pôs me explorar com a boca. Minha excitação, naquele momento, chegou ao extremo.
Senti todo meu corpo enformigar a cada mordida e a cada lambida que recebia. Arranhei e apertei o papelão embaixo de mim a cada gemido que soltava. E ele ficou assim por tempo suficiente para que eu relaxasse. Antes de uma nova investida, ele encheu a mão de saliva, e começou a me penetrar com os dedos. Um a princípio, logo eram dois depois três. Assim que me viu adaptado e lubrificado o suficiente, tentou novamente.

Aos poucos então ele se unia a mim. E o prazer deu lugar a dor novamente. Ameacei escapar e ele me segurou com força. Uma estranha vontade de evacuar surgiu. Comecei então a choramingar e pedir que ele tirasse.

- Fica calmo – falou – assim a dor passa e você pode aproveitar a coisa.

Após grande dificuldade, ele conseguiu me adentrar. Senti então suas coxas se encostarem as minhas e pacientemente ele esperou até que eu me acostumasse com seu “pau”.
Beijava minha nuca e me fazia breves carinhos. Minha dor foi, aos poucos, sendo substituída novamente pelo prazer.
Uma comichão, uma leve dormência, começou a se formar no caminho entre meu saco e meu ânus.

(...)

O ritmo ia sendo acelerado aos poucos. E entre beijos, carinhos e gemidos ele desferiu alguns tapas em minha bunda, fazendo com que a ardência agora se espalhasse por tudo.
Enquanto um braço dele me enlaçava a cintura, com o outro procurou por meu membro e deu início a uma leve masturbação.
Gemi. E meus gemidos foram aumentando à medida que nos encontrávamos numa mesma cadência, num mesmo ritmo.

O suor de seu peito se misturava ao de minhas costas. Sentia seus pêlos me roçando.
Sua língua vez por outra invadia minha orelha e eu ouvia ainda mais de perto seus gemidos.

Mordi meus lábios e apertei mais forte o papelão.

- Eu não vou agüentar mais – falou a certa altura.

E acelerando os movimentos do quadril deu investidas cada vez mais rápidas.

Todos meus sentidos então se uniram num só. Num único e profundo sentido chamado PRAZER.
Gozamos juntos.

(...)

Ficamos ali deitados, ele por cima de mim, por longos minutos. Seu membro foi aos poucos escapando de dentro de mim.
Sentia-me mole, com uma certa sonolência e ao mesmo tempo leve e preenchido. Naquele momento, com aquele jovem pedreiro, deixei para trás toda a má impressão que tivera com o Rodrigo. E seria eternamente grato a ele. Dando-me um beijo no rosto pôs se de pé.

- É melhor a gente aproveitar que a chuva passou pra sairmos.

Concordei.

(...)

Sentia-me dolorido, enquanto caminhava. Minha casa continuava vazia.
Joguei o molho de chaves sobre a mesa e me dirigi novamente ao banheiro, para um novo banho. Fora ali pensei, naquela construção que eu havia realmente perdido minha virgindade. Toda ela. Meus medos foram substituídos por outros, que preferi deixar pra pensar num outro momento.
A ardência aumentou com a água deslizando pelo meu corpo. Mas era uma ardência boa, gostosa.
Banho tomado joguei-me na cama. Uma coisa estava certa pra mim, eu havia gostado e agora...

Agora eu queria mais.

Dormi o resto da tarde.

- 18 - (07/02/09 - Sábado)

(...)

Só me levantei da cama no comecinho da noite, quando minha mãe surgiu na porta me chamando pra atender ao telefone. Acordara há algum tempo, mas fiquei me revirando na cama, curtindo breves cochilos, com uma preguiça danada de boa.
Segui minha mãe escada abaixo. A ardência me acompanhava.

Era Luciano ao telefone e nossa conversa não durou mais que cinco minutos. Ele falava pouco. Queria apenas confirmar minha presença no almoço do dia seguinte.

Sentado no sofá, enquanto esperava o jantar ficar pronto, relembrei alguns momentos passados...

(...)

- Foi um encontro rápido – começou - e como não tenho contato com eles, não reconheci as vozes. Só fui diferenciá-las e saber de quem se tratava quando eles saíram do vestiário, e eu me apressando, sai logo atrás.
- Na realidade foi só quando ouvi mencionarem seu nome, que resolvi ficar ali e ouvir a conversa. Pura curiosidade. Então devagar fechei meu armário e fiquei escondido num canto, em silêncio. O que vim saber depois ser o Rodrigo começou falando como tudo acontecera. Do quanto se divertira. E do quanto havia sido bom. Então o tal do Breno, falou que ele havia tido sorte, mas que aposta era aposta.

- Porque tamanha curiosidade? –lembro-me de ter perguntado

- Pagamento feito – continuou ele não me respondendo a pergunta - quantia, aliás, que desconheço, e eles estavam saindo Dei graças a Deus, já que só tinha mais dez minutos antes de meu horário de entrada. Foi então que o Breno falou no trato.

- Trato?

- Sim – falou – um trato. O Rodrigo firmou um trato com o Breno, no qual se compromete a conseguir pra ele uma noite com você.

Naquele momento senti um ódio mortal.

- E porque está me contando tudo isso – perguntei com as lágrimas transbordando – quando o normal seria você zoar comigo, espalhar o que ouviu pra escola inteira, quem sabe até se aproveitar da situação pra tirar alguma vantagem.

Segurando-me as mãos, e num tom muito calmo disse:

- Tenho meus motivos. Vários. E se você estiver disposto a vir almoçar comigo no sábado saberá de cada um deles – concluiu.

A voz de minha mãe anunciando o jantar me trouxe de volta do devaneio. Precisava lembrar de pedir desculpas ao Luciano assim que o visse por qualquer impropério que eu tenha lhe dito naquele instante.

(...)

Estava esfomeado, e minha boca se encheu de água assim que via a comida: arroz, feijão, bife e batata frita. Empanturrei-me. Vi um pouco de novela na sala e resolvi subir de volta pro meu quarto.
Dei uma “esticada” no lençol e sentei-me devagar, tentando assim diminuir a ardência, a procura de um cd pra ouvir.
Queria algo diferente, mais animado quem sabe. Passei um tempo ali e acabei pegando um a esmo e colocando-o no som.
Deitado novamente, agora mais calmo, e com novas experiências me ocorrendo comecei a rever os últimos fatos. Cheguei a sentir um certo prazer. Um mentindo grandes loucuras, contando grandes vantagens. E o outro voltando a demonstrar interesse. Voltando a correr atrás.
Senti-me então novamente disposto. Cabeça fervilhando de idéias passei a ter então um novo desejo. Brincar um pouco com eles. Com cada um deles.

- 19 -

(...)

Sábado. Acordei umas dez horas e um sol forte já se chocava com as cortinas de minha janela. O quarto ainda apresentava resquícios da revolução por que passara na noite anterior. Cds, revistas e livros ainda espalhados por todos os lados. Tudo por que o soninho da tarde quebrou minha rotina. Só peguei no sono quando era alta madrugada.
Havia resolvido organizar minhas coisas. Tirei os livros de seus lugares, pra poder limpa-los. Ouvi antigos cds, dos quais nem mais lembrava da existência. Joguei fora velhas revistas.
Tomei um longo banho, pra tirar o suor e o “babo” noturno e notei que a ardência quase desaparecera. Só a sentia com força maior quando usava o banheiro.

Sai de casa uma hora antes do combinado com o Luciano. Assim poderia saciar um antigo vício meu, ir a uma banca de jornal folhear revistas.
E em meio a toda aquela cacofonia, típica da cidade nos finais de semana, reiniciei certos pensamentos da noite anterior. Por vezes esses pensamentos abandonavam minha cabeça e alcançavam minha boca, me obrigando então a cantarolar frente a outras pessoas que me viam falando sozinho.
Sentia-me realmente à vontade com a idéia de executar uma “pequena vingança” contra os dois.

Não por ter sido usado, já que tinha conhecimento da aposta antes dos acontecimentos, mas, me justificava, por ver meus sentimentos, todos tão nobres, desmerecidos. Também por que não sabia há quanto tempo, eles vinham tramando tudo isso. E ainda mais pelo que eles estavam dispostos a fazer. E seria justamente nesse vir a fazer que, não sei ao certo como, eu darei vazão a minha criatividade.

Atravessava uma ponte pênsil, quando outro pensamento me tomou de assalto. O que eles (o Rodrigo e o Luciano), sabiam a respeito do antigo desejo do Breno por mim?

(...)

Eu freqüentava a sexta série e saíra da classe durante uma aula pra poder usar o banheiro. Na volta uma programação de excursão, num dos quadros de avisos, me chamou a atenção e me detive ali por instantes. Quase terminara de ler quando notei seu vulto próximo de mim. Ele tinha um risinho estampado no rosto quando o olhei. Sem pestanejar perguntou:

- Dá pra mim?

Parei confuso. Não havia o que ele havia me perguntado.

- Como? - perguntei
- Ta a fim de trepar comigo? – devolveu-me ele com a voz típica dos adolescentes que éramos.

Sem ação e um pouco irritado, fechei a cara e voltei para a classe. Por meses ele levou adiante sua insistência. Cercava-me no pátio. Exibia-se pra mim dentro do banheiro. Uma verdadeira loucura.
De repente, parou. Começou então a andar com uma turminha. Paquerar garotas. Confesso que nem me lembrava mais dessa história até esses últimos dias.

(...)

O almoço foi maravilhoso. Nhoque ao sugo, salada, almôndegas e laranjada.
A casa dele, que descobri ser bem distante da escola, era simples e muito limpa. Sua mãe D. Isis, não sabia o que fazer pra que eu me sentisse à vontade. Cheguei a ficar sem jeito com tamanha hospitalidade.
Estávamos em seu quarto, deitados no chão, porta semicerrada, quando ele começou:

- Antes de qualquer outra conversa, vou lhe contar o porquê de eu querer te ajudar.

- 20 -

(...)

- Houve um sábado – ele começou. Sentando-se se encostou à cama e procurou se ajeitar de maneira confortável. A voz agora pautada e o rosto sério.

“A empresa onde meu pai trabalhava” – continuou Luciano - “vinha oferecendo mensalmente aos funcionários que se destacavam pela produção pelas vendas, etc., um jantar. Meu pai, um trabalhador do “chão de fábrica”, fora um dos destaques daquele mês. Sorriso no rosto, não conseguia esconder a felicidade e o orgulho que sentia”.

Eu estava atento a cada palavra que ele me dizia. Ele continuou:

“Passaram a semana atrás de uma roupa adequada”. Pareciam crianças em noite de natal, ansiosas. Ainda me lembro do rosto deles, instantes antes de saírem, quando apareceram aqui na porta do quarto para se despedir. Seus olhos brilhavam. Vieram saber se eu ficaria bem sozinho, já que meu irmão havia saído e com certeza demoraria a voltar. Sorrindo falei que tudo estava bem e que eles não tinham com o que se preocupar. Acompanhei-os até a porta.
Lá pelas tantas da madrugada, ouvi uma discussão. Levantei assustado e me dirigi para sala. As vozes pareciam cada vez mais altas. “No exato momento em que meu rosto despontou na sala, presenciei uma cena que nunca antes tinha visto.”

Quase parei de respirar naquele momento, e desesperado pra saber mais perguntei:

- E ai Luciano, o que foi que aconteceu?

“Meu pai” – continuou – “acabara de desferir um tapa no rosto de meu irmão e foi um tapa com tanta força que o derrubou”. Ele nunca nos batera antes. Corri, tentando acalmar uma situação, que eu desconhecia como começara. Segurei meu pai. Minha mãe, aos prantos, ajudava meu irmão a se levantar. Um fio de sangue escorria pelo canto de sua boca.
Com certa dificuldade, meu irmão se levantou e se desvencilhando de minha mãe, foi em direção ao meu pai. Coloquei-me entre os dois, enquanto gritava por um esclarecimento. Sequer fui ouvido. Meu pai tremia nervoso enquanto minha mãe, ainda aos prantos, tentava falar com meu irmão. Sem lhe dar atenção falou a meu pai:

- Nunca mais está me ouvindo. Nunca mais o senhor vai encostar sua mão. Nunca mais.

Fazendo um esforço pra se aproximar dele, meu pai retrucou:

- Nunca mais eu encosto a mão em você, seu sem vergonha, porque você está saindo dessa casa agora, esta me entendendo? Agora.

Minha mãe tentou reverter à situação. Meu pai, que já havia desafrouxado o nó da gravata, derramou algumas lágrimas, mas não voltou atrás. Senti-me desnorteado, ainda não sabia o que tinha desatado todo aquele reboliço. Meu irmão foi pro seu quarto e voltou com uma pequena mochila nas costas.
Ouve um novo falatório. Minha mãe tentava a todo custo impedir que ele saísse. Chegou a dizer que sairia com ele. “Mas ambos estavam decididos”.

Luciano parou. Mexeu levemente a cabeça, tentando aliviar um pouco a tensão que se concentrava no pescoço. Então ele retomou:

“Meu irmão me deu um abraço apertado”. Fez o mesmo com minha mãe. Ela lhe beijou o rosto e o segurou com força. Naquele momento, era como se estivesse perdendo uma parte de si mesma. E estava. Nada do que dissera adiantara. Não se despediu de meu pai, apenas lhe disse:

- Lembre-se que foi o senhor que me expulsou. Foi o senhor quem colocou seu filho pra fora de casa.

Ele, que estava encostado num canto da parede, não teve tempo de responder. Meu irmão sairá batendo a porta atrás de si. Um furacão, tal qual levara Doroti consigo, passara por ali, desmanchando tudo que poucas horas atrás parecia certo.

Meu pai se retirou para o quarto. Paletó na mão e lágrimas nos olhos. “Por debaixo de todo aquele orgulho, ainda existia um pai.”

- Tudo bem – falei interrompendo-o - seu pai e seu irmão brigaram. Mas até agora ainda não fui capaz de localizar na sua história, um ponto em comum com a minha.
- Menino sem paciência – falou, deixando que um leve sorriso se estampasse em seu rosto. Vou te explicar agora.
- 21 - (08/02/09 - Domingo)

(...)

“Meu pai levara o carro ao mecânico, para uma revisão, no começo da semana” – recomeçou – “e ele ainda não havia ficado pronto”. Foram ao jantar de carona, com o Geraldo, um amigo da empresa que também havia se destacado.
Esses jantares/homenagem aos destaques do mês, melhoraram o relacionamento interpessoal entre os funcionários, e até aumentaram a produtividade. “Todos queriam se destacar.”

- Para você ter uma idéia – continuou – ao final do ano, a empresa fazia o sorteio de uma viagem entre todos os que se destacaram.

Vendo minha cara de impaciente, Luciano disse, enquanto gesticulava com as mãos:

- Já entendi. Vou chegar logo ao ponto que você quer.

Sorri. Ele continuou:

“O jantar era realizado num salão de festas que a empresa locava, juntamente com os serviços de buffet”. Havia ainda um pequeno trio, fazendo a música ao vivo. Realmente a empresa acreditava naquele investimento, que, portanto, se estendia até mais tarde.
Há tempos meus pais não saiam para se divertir, e resolveram aproveitar a noite ao máximo. Chegaram a dispensar a carona do Geraldo para a volta. E voltaram a pé, caminhando. “Mãos dadas, noite quente com céu estrelado e vento fresco.”

Aos poucos enquanto a cena ia se formando em minha mente, meus lábios formavam um sorriso. A tempo que não via meus pais numa situação semelhante. Achei tudo muito romântico. Até quase me esqueci do que realmente estava sendo contado ali.

“Minha casa é um pouco distante de onde se desenrolara a festa, e eles gastaram um tempo pra chegar. Mas vieram se curtindo, curtindo aquela que lhes parecia a melhor das noites. Foi quando aconteceu.”

- 22 -

(...)

À tarde já terminava quando sai da casa do Luciano. Iria finalmente dar uma breve passada na casa de minha avó, avisa-la de minha presença no almoço do domingo. As avós sempre fazem pratos maravilhosos, principalmente pra netos desnaturados, que só as visitam de vez em quando. E eu era tipicamente um. Estava sempre empurrando essas visitas para os dias seguintes.
Fiz o caminho de volta pela avenida marginal. O trânsito era, àquela hora, mais intenso. Caminhões de carga circulavam entres carros. Vez por outra surgia alguém pedalando uma bicicleta. O calor tirava as pessoas de dentro de casa, e o calçadão estava cheio delas.
Garotas com fones nos ouvidos dividiam o espaço com rapazes sem camisa, suor escorrendo pelo corpo. Havia ainda os jovens casais, o povo da terceira idade e também os que só estavam ali para um pequeno passeio com seu animal de estimação. A maioria, no entanto, deixavam claro, estavam ali pelo corpo. Para expor, manter ou recuperar a forma dele.
Os postes de iluminação começavam a serem acesos. Aproveitei um breve intervalo de veículos para atravessar a grande avenida. Ao longe um ônibus sem encaminhava a minha direção, já com os faróis baixos ligados. A noite caíra.

Quando passei pela fatídica esquina, as palavras de Luciano me voltaram à mente:

“Faltavam poucos metros até a frente de minha casa. Àquela hora da madrugada, a rua estava deserta. Ele tinha parte de seu corpo projetado carro adentro, pela janela do lado do motorista. E estava ali, num beijo voluptuoso, apaixonado. Desses que não se tem pressa em acabar, e no qual se é capaz de perder a noção do tempo... e do perigo. E com certeza não esperava ouvir a voz de meu pai atrás de si”.

Atravessei novamente a ponte, que tinha agora um balanço maior, devido às outras duas pessoas que me faziam companhia. Uma senhora na casa dos cinqüenta anos, lenço amarrado na cabeça e sacola plástica nas mãos. A seu lado um garotinho com no máximo seis anos, provavelmente seu neto. Ele trazia um pequeno caminhão nas mãos e uma imitação de seu ruído na boca. Sorriu assim que passei por eles.

“Fomos informados do mal estar de meu pai pelo telefone” – falou ele. “Geraldo nos ligara informando que ele havia sido levado ao hospital depois de um desmaio. Já tinha dois meses desde que ele começara a reclamar de dores abdominais. Minha mãe se prontificou a acompanhá-lo a um médico, mas ele a embromou”.

Seus olhos se avermelharam.

“O médico que o atendera” – continuou – “solicitara uma série de exames, os quais deveriam ser realizados com certa urgência”.

- Ontem – falava com voz entrecortada por soluços – eu faltei à aula... pra poder acompanhar... minha mãe até o... cemitério.

Passei meu braço por cima de seus ombros e o trouxe pra perto de mim, ele chorava.

Seu pai morrera há exato um ano, vítima de câncer.

- Um ódio para com meu irmão me consumia – falou, enquanto enxugava as lágrimas.

“Eu não conseguia deixar de culpá-lo por tudo que vinha acontecendo. Minha mãe insistia pra que eu o perdoasse, e eu sinceramente não conseguia ver motivos para isso”.

A buzina de um carro me despertou a atenção assim que cheguei do outro lado da ponte. Era um velho conhecido. Comecei a subir uma grande ladeira.

“À medida que a doença consumia meu pai, o ódio e o preconceito consumiam a mim. Emagreci a olhos vistos”.

- Como foi então que vocês se entenderam? – lembro ter perguntado. Quando é que terminou toda essa situação?

Ele retomou:

“Houve um dia, quando as forças de meu pai já eram mínimas. Estávamos, eu minha mãe e uma enfermeira, no quarto com ele quando bateram na porta. Eram eles”.

- 23 -

(...)

“Somente meu irmão entrou no quarto” – continuou ele. “Beijou minha mãe no rosto e me cumprimentou. Prevendo uma possível reação mais grosseira de minha parte para com ele, minha mãe me chamou para sair do quarto por um instante. Antes que eu conseguisse falar já me puxava pelo braço. Fora do quarto, nos deparamos com o outro, que se apressara em dar um abraço em minha mãe.”

- Como é o nome dele? – perguntei.

Luciano levou um certo tempo a dizê-lo. Pensou, pensou e gaguejando disse:

- Igor. O nome dele é Igor.

E de modo apressado continuou:

“Cumprimentei-o a contra gosto e então, eu e minha mãe, nos dirigimos a um pequeno jardim nos fundos do hospital”. Sentamo-nos num grande banco de madeira. Sentia-me incomodado com toda a situação, e aproveitei para por tudo pra fora naquele instante.
Mãe, falei como à senhora pode apoiar uma situação dessas. Meu irmão morando com um cara, nos envergonhando pela rua. O pai doente por causa de tudo isso.
Ela então me olhou de maneira profunda. Seus olhos eram pacíficos, sua voz porem tornara-se firme quando falou:

- Luciano. Por acaso você sabe quanto custa um quarto como aquele em que seu pai está ficando?

Vendo que eu não sabia, ela continuou:

- Já se perguntou quem é que o está bancando? – lançou nova pergunta.

Por minha mente passaram diversas respostas: a empresa, as economias deles. Novamente me vi sem respostas. Então ela me respondeu:

- Seu irmão. É seu irmão quem está arcando com todas as despesas do quarto, pra que seu pai possa estar bem. Veio aqui hoje a pedido dele. E desde já não se esqueça: a doença de seu pai, não tem nada haver com toda essa história. Nada.

“Um nó apertou minha garganta naquele instante”.

(...)

Uma vez superada a ladeira, diminui o passo para recuperar o fôlego. Faltava somente uma quadra, pra finalmente eu chegar à casa de minha avó. Um vento fresco soprava meu rosto e uma pequena lua crescente já se mostrava no céu. Nem grandes agonias desconhecidas, nem arroubos de euforia me invadiam. Sentia-me em silêncio. As pedras de meu “calçamento” interno começavam a se assentar. Toda aquela conversa havia me feito bem.

(...)

- A resposta de minha mãe me deixara sem palavras. Ficara mudo. Ela levou a conversa adiante:

“Há algum tempo – começou – venho notando mudanças no comportamento de seu irmão”. Ele está mais centrado. Objetivos mais definidos. Mais feliz. Também me senti incomodada a princípio. Nenhuma mãe quer o sofrimento do filho, e eu não seria diferente. Já havia pensado nessa possibilidade e sempre a espantava de minha mente.
Por dias eu chorei. Chorei pela situação, pelo desgosto que achava estar passando. Chorei, por aquilo que você disse há pouco: a vergonha, que teria quando outras pessoas soubessem e também daquelas que já o sabiam. Foi então que me dei conta de uma coisa.
Eu não estava pensando no seu irmão. No que ele sentia, no sofrimento que vinha passando. Em como eu poderia entendê-lo. Como poderia ajudá-lo. Eu era uma egoísta e estava pensando somente em mim.
Seu irmão trabalha e paga por suas contas. Come bebe e dorme. Adoece. Sofre e necessita de cuidados como qualquer outra pessoa. Chora e ri como eu ou como você. E nós ainda o estamos vendo como alguém anormal. Um doente, um desviado.
Tenho procurado a cada dia vê-lo apenas como alguém que tem apenas um gosto diferenciado do meu, e da maioria. Uma maioria que muitas vezes também se esconde. Outro dia quando conversamos, ele me disse que não se tratava de opção:

- Mãe – ele me falou – a senhora já viu alguém optar pelo caminho dos espinhos.

Pra mim seria muito mais fácil conhecer uma garota, namorar, casar, ter filhos. Não ouvir críticas, xingos, desavenças. Não ter que aturar todo um preconceito. Se a senhora reparar, toda a história está cheia de pessoas como eu. Que sofreram por amarem seus iguais. A própria natureza está cheia de situações semelhantes. Não é uma opção ou um desvio, já que eu e o Luciano nascemos da senhora e recebemos a mesma educação. Trata-se apenas de um outro jeito de ser. Com todos os direitos e deveres dos outros. “Nem um pouco melhor, posso dizer até que é mais sofrido”.

Todas aquelas palavras me faziam um extremo sentido. Eu agora torcia pra que um dia pudesse ter uma conversa semelhante com minha mãe e que ela tivesse reação semelhante.

- Nossa conversa ainda durou um tempo – Luciano continuou. Assim que voltamos pro quarto, meu irmão, que agora estava sentado na cama, segurava as mãos dele. “Ele viveu apenas mais dez dias”.

Baixando a cabeça, Luciano se aquietou por um momento. Acariciei-lhe os cabelos. Realmente deveria ser difícil pra ele toda aquela situação. Como também era pra mim.

- Quando eu ouvi – continuou ele após o período de silêncio - o Rodrigo falando, entre risos, com o Breno: “vai ser fácil conseguir isso pra você, já que o veadinho se diz apaixonado. Mandou-me até uma mensagem dizendo que me amava”.
-
“Foi onde eu percebi o quanto seus sentimentos, e o de tantos outros eram desprezados. Tornavam-se motivos de piada. Foi ali, naquele exato momento. Dentro do banheiro de um clube, que vi a possibilidade de uma mudança. De uma redenção para os erros que cometi com meu irmão, e que mesmo após conversarmos e ele ter me perdoado, ainda me ferem. Foi ali, naquele momento, que resolvi te ajudar”.

Abraçamos-nos por um longo tempo. Havia ganho um aliado. Um amigo.

(...)

Um grande caminhão baú estava parado na casa ao lado a de minha avó. A casa que ficara fechada por um longo tempo, tinha agora suas janelas abertas e as luzes de dentro acesas.
As portas do caminhão estavam abertas, e restavam poucos móveis em seu interior, pequenos em sua maioria. Uma mesinha, duas ou três cadeiras e um pequeno pufe preto. Os novos vizinhos já iriam passar a noite na nova casa.

Meu avô estava no portão e conversava com alguém, que estava de costas para mim.

O cara tinha em média uns 32 anos e aproximadamente 1m80 de altura. Os cabelos de tom castanho-claro eram cortados bem baixinhos. Estava sem camisa.

Tinha um corpo daquele tipo que não se enquadra nem nos magrelos e nem nos de “músculo puro”. Numa só palavra, porém, eu podia resumi-lo: Gostoso.

Fiquei até meio sem graça, quando meu avô falou comigo, pois não conseguia parar de olhar para ele.

- Esse é o André, meu novo vizinho.

- 24 -

Fiquei olhando para ele até que vi sua mão vindo em minha direção ele então me disse:

- Muito prazer!

Eu, ainda sem graça, respondi que o prazer era meu. Essas coisas que a gente sempre diz quando conhece alguém.
E enquanto apertava sua mão, uma mão grande, larga, dedos longos, não pude deixar de reparar nele.

Seu peito era liso, sendo que, os únicos vestígios de pêlos que se via ali, eram os que saiam de seu short de nylon azul, desses típicos de jogador de futebol, e subiam num percurso irregular até alcançar seu pequeno umbigo.
As pernas eram definidas, com as panturrilhas e as coxas grossas.
Pelo fato de estar sem camisa, sua “mala”, ganhava um certo destaque. E me pareceu grande o volume que se alojava ali.

Minha alegria, no entanto, durou pouco. Logo vi surgir no portão, uma mulher trazendo em seu colo um pequeno garoto. Logo deduzi quem era. Ele, todo alegre, nos a apresentou:

- Essa é Marisa, minha esposa.

Era uma mulher muito mal cuidada, talvez devido à mudança. Cabelos despenteados e chinelo de dedo.

Despedi-me deles e entrei casa adentro.

A casa de minha avó era engraçada. Sempre limpinha, cheirava a “ar fresco”. Era decorada em excesso, com vasos cheios de rosas de pano dividindo o espaço com diversos porta-retratos.
As fotos eram das mais variadas épocas. Iam desde seu casamento até a da recente festa de suas bodas. Tinha ainda as fotos dos filhos, netos e bisnetos. O sofá, marrom terra, tinha um grande xale amarelado sobre seu encosto e diversas pequenas almofadas sobre o assento.

Ela estava na cozinha, terminando de lavar as louças do jantar. Gente de idade faz tudo, desde o acordar até o dormir, muito cedo.
Ela sorriu ao me ver, e enxugando as mãos no grande avental florido, veio em minha direção.

- Meu lindo! – disse já me abraçando. Como você está?

Seus braços estavam gelados, pelo contato com a água.

(...)

Após um belo copo de água, e um papo rápido na cozinha, fomos nos sentar na sala. Iria começar, segundo ela, a novela.
O mais engraçado de minha avó era que ela mais ouvia a novela do que a assistia. Aproveitava o tempo ali sentada para dar andamento em suas peças de tricô.
Por vezes, era vencida por um leve sono. Um breve cochilo.

Não havíamos conversado mais do que cinco minutos, quando meu avô apareceu e se juntou a nós.

Fiquei por ali uma meia hora. Minha avó me acompanhou até a porta, para se despedir.

- Vou te esperar então – falou, referindo-se a minha presença em seu almoço do dia seguinte.
- Obrigado vó – respondi, aproveitando pra lhe pedir a benção.
- Deus te abençoe – falou ela, enquanto me dava um beijo estalado na testa.

(...)

A casa ao lado ainda tinha suas luzes acesas. Passei devagar por ela na esperança de vê-lo mais uma vez. De repente, como num passe de mágica, a porta da frente se abre e ele ressurge. Trazia um carpete nas mãos, e sorriu ao me ver.

Meu coração estava acelerado, e meu rosto queimava de vergonha. Havia sido pego de surpresa por um desejo realizado.

Ele, que jogara o tapete no chão frente à porta, agora caminhava em minha direção.
- 25 - (09/02/09 - Segunda)


- Já vai? – me perguntou enquanto se aproximava do portão.

Minhas pernas há tempos se imobilizaram e eu já sentia um friozinho na barriga. Em meio a gaguejos lhe respondi:

- Já. Já vou sim.

Ele estendeu sua mão novamente e enquanto apertava a minha, que a custo lhe estendera, deu-me uma leve piscada. Diria que fora uma piscada imperceptível.

- Vê se aparece, viu! – disse ele.

Sentia-me excitado, com toda aquela situação, e foram longos aqueles curtos instantes em que nos falamos. Sentia um fio de suor descer pelo canto de meu rosto.

- Pode deixar – respondi enquanto ele me libertava a mão – volto sim. Amanhã mesmo venho pro almoço.
- Opa, legal – comentou com um sorriso lhe estampando o rosto.

Fazendo lhe um leve movimento com a cabeça me despedi. Antes que eu o perdesse do campo de visão reparei na leve ajeitada que ele deu em seu “pacote”.
Caminhei a passos ligeiros. Estava na esquina quando voltei meu rosto para trás. Ele ainda estava lá e notando que eu lhe olhava ergueu o braço num último aceno.

(...)

Cheguei em casa a tempo de ainda pegar o jantar, mas comi pouco e logo me retirei rumo ao quarto. Sentia-me confuso e agora uma agonia me oprimia o peito.

Há poucos instantes, quando minhas pernas ainda bambeavam por um desconhecido, conheci uma nova força. A força do sexo.
Uma força que arrastava consigo, os mais volúveis e os menos precavidos. Que tinha os homens como alvo predileto, mas as mulheres não lhe eram esquecidas.

Essa força que não necessitava do amor, pois era composta basicamente pelo desejo, fosse talvez o que me chateasse. Algumas lágrimas me encheram os olhos.

Perguntei-me então, qual será a hora de parar e qual será a hora de continuar essa procura por alguém especial? E é difícil dizer. Existem dias em que tudo o que se quer é desistir e aceitar que a vida é assim mesmo, que ninguém querendo algo realmente sério vai aparecer.
Existem outros, porém, em que tudo o que mais se quer é encontrar aquela pessoa que tem tudo a ver com você. Aquela pessoa tão proclamada nas histórias e contos de fadas, com quem se quer dividir uma tarde de folga, um feriado de sol, um dia de semana, ou uma noite de inverno. Que te vigie o sono. Que tenha mais sonhos e menos medos. Que tenha a coragem de se envolver e a delicadeza de se permitir amar e ser amado. Alguém que traga algo mais nos olhos. Disposto a ser feliz e compartilhar o melhor de si e receber o melhor de mim.

Enxuguei as lágrimas, e uma pequena ponta de esperança reluziu dentro de mim. Não desistiria ainda. Encontraria esse alguém. Nem percebi o momento que adormeci.
- 26 - (10/02/08 - Terça)

(...)

Acordei cedo no domingo. Sonhos estranhos me visitaram durante a noite toda. E é engraçado como eles “funcionam” mesmo sem pé e nem cabeça. De repente você se vê dentro de uma história já começada e ela então se torna outra e outra, num vai e vem confuso de pessoas e lugares desconhecidos misturados aqueles que nos são próximos.

Lavei o rosto, escovei os dentes e dei-me uma boa e longa olhada no espelho. A angústia noturna desaparecera, mas não havia alegria ou qualquer outra coisa em seu lugar. Apenas uma ausência, um “pouco importa” talvez.

A campainha soou enquanto eu descia a escada. Quem seria numa hora daquelas, em pleno domingo? – me perguntei.

Minha mãe, vinda da cozinha, fora atender a porta. Voltara instantes depois, casa adentro, trazendo em mãos um pequeno vaso.

Estendendo os braços em minha direção disse:

- É para você
- Pra mim? – perguntei. Certamente com cara de espanto.

A mesa do café se silenciou. Eu nunca recebera flores antes e meu pai ficara de prontidão.

- Vamos – continuou minha mãe, olhos arregalados de curiosidade. Abra logo o cartão e veja quem o enviou.

Tratava-se de uma pequena gérbera amarela dentro de uma caixa quadrada de desenhos orientais. Junto a ela um pequeno boneco de cabelos avermelhados. O cartão estava preso com uma pequena fita. Abri-o

- O que está escrito? – perguntou ela quase a beira de um enfarte.
- Adorei! – respondi

Entreolhamos-nos.

(...)

Jovem empresado é assassinado. Era assim, escrito em letras garrafais, que o jornal da região dava a sua notícia de capa. E foi a primeira coisa em que reparei assim que coloquei os pés dentro da banca. Dividindo espaço com um pequeno resumo uma foto do corpo sendo retirada do restaurante.

“O jovem empresário, José Eduardo de Andrade Couto, 32 anos, proprietário da rede de restaurantes “O Mouro”, fora encontrado morto na manhã de ontem. O delegado Alvarenga, que conduz as investigações, informou que as investigações ainda estão engatinhando para possíveis deduções. O corpo foi encontrado pela noiva do empresário, srta. Adriana Ribeiro. Continua pág. C3”.

(...)

- Mas quem te mandou? – perguntou ela
- Aqui não diz – respondi – Só está escrito: Adorei.


Uma certa frustração lhe anuviou a face. A mim restaram duas novas curiosidades, quem teria me enviado a flor, e o por que. Mas aquela era a primeira surpresa que do domingo. O dia seria uma espécie de caixa de surpresas.

(...)

Apertei a campainha e aguardei que alguém viesse abrir a porta. Deixavam-na trancada desde o dia em que uma senhora do quarteirão de cima fora assaltada dentro da própria casa. Os novos vizinhos pareciam ter saído, já que a casa estava toda fechada.

Eis então que surge a segunda surpresa.

- 27 -

Houve apenas algumas breves trocas de olhares durante todo o almoço, mas fora o suficiente para que eu me sentisse tenso. Incomodado. O assunto que imperava era sobre a vizinhança em geral.

Eu ficara espantado quando ele me abriu a porta. Vestia um jeans claro e camiseta preta. O cabelo repartido de lado o deixara ainda mais jovem.

A esposa, também mais arrumada, estava na cozinha dando um auxílio a minha avó. Fora dela alias, o convite para o almoço. Uma espécie de boas vindas.

Findo o almoço, e as mulheres já se dirigiram à cozinha com uma pilha de louça e talheres em mãos. Um novo convite, agora vindo de meu avô, e fomos todos ao quintal, no grande rancho que ele possuía lá.

Desde que se aposentara, a cerca de cinco anos, na mesma época em que deixara o emprego, meu avô vinha dedicando todo seu tempo livre, o que era muito, a sua antiga paixão: a carpintaria. No começo restaurava móveis e montava alguns novos, de bancos a mesas, em sua maioria peças de pequeno porte.

As vésperas do último natal se descobrira fabricando pequenos brinquedos. Gostou tanto do resultado que aos poucos deixou as peças de mobiliário de lado e vinha se dedicando com esmero a fabricação dos pequenos brinquedos artesanais.

(...)

Sobre a grande bancada, estava o novo projeto. Ainda sem pintura e sem rodinhas, já se notava tratar-se de um carrinho.

Os pequenos olhos acinzentados de Juan se iluminaram. Meu avô, que agora o tinha no colo, lhe mostrou a futura novidade. Juan era um garoto tranqüilo. Cabelos espetados e boca rosada tinha o rosto semelhante ao da mãe.

Meu avô adorava crianças, e isso era visível com maior intensidade quando meus priminhos estavam na casa. Ele chegava a se perder no tanto que queria fazer.

Crianças e idosos, não sei ao certo o porquê, costumam se identificar. Penso que talvez isso se deva a pureza de ambos. O primeiro que ainda não há tinha perdido e o segundo que a havia reconquistado.

Com o carrinho em mãos meu avô passou a lhe mostrar os detalhes. E o rapazinho sequer piscava.

Sentia saudades dessa época, onde as preocupações não existiam.

Ambos estavam tão concentrados que não notaram a breve conversa que se iniciou.

- Gosto de seu cabelo. – ele começou – É muito bonito.

Fiquei sem jeito pelo elogio e uma mistura de tensão e excitamento me invadiu. Senti meu rosto corar e agradeci com voz quase sussurrada.
A partir de então começamos a famosa “conversa jogada fora”. Conhecíamos-nos pouco e estava sendo difícil levar qualquer assunto mais “nobre” adiante. Mas a conversa pouco importava, já que seus olhos diziam tudo o que realmente se passava em seu interior.
Minha avó, ressurgindo na porta, nos chamou para tomarmos um café recém passado.

Antes de entrarmos, porém ele me fez o convite.

(...)

“O corpo sofrera diversas lesões. Suspeita-se que alguma pessoa tenha permanecido no restaurante mesmo após o seu fechamento, devido à inexistência de sinais de arrombamento”.

Mais abaixo, dividindo o espaço com as informações sobre o crime, havia o anúncio da tão esperada exposição de arte oriental que se instalaria na cidade.

Brinquedos e peças do vestuário dividiriam espaço com fotografias e outros objetos para contar as características e formas de expressão da arte oriental.

(...)

- A Marisa e o Juan irão passar o próximo fim de semana na casa de minha sogra. – começou. Tenho que dar uma segunda mão de tinta nos quartos e achei melhor que eles não ficassem por aqui.

Ainda mudo, sem saber ao certo o que dizer, continuei a prestar atenção no que ele me dizia.

- Vou buscá-los somente no domingo à noitinha. Gostaria que aparecesse por aqui, claro, se não fosse te atrapalhar algum plano. Assim além de eu não me sentir tão só, poderemos por nosso papo em dia. – conclui com leve sorriso nos lábios.
- Se der certo eu apareço sim. – falei
- Isso ai – conclui ele passando o braço em meu ombro.
(...)

Ainda estava excitado pela situação, e todo o seu risco (um risco apenas aparente, conclui depois), quando adentrei em casa. A imagem do pequeno vaso na mesinha de centro me fez relembrar uma outra situação que me escapava saber quem me enviara.

- Te ligaram duas vezes – disparou minha mãe assim que me viu. E pediram um retorno.

Dirigia-me ao telefone e ela seguindo meus passos continuava a falar:

- Eram quase quatro horas quando o Luciano ligou. Falei para ele que você tinha ido almoçar em sua avó e até ofereci o número de telefone de lá, mas ele disse que preferia que você ligasse para ele assim que chegasse.

Após o sinal de linha e dos números que eu vinha digitando veio o som do telefone chamando.

Dona Ísis foi quem atendeu do outro lado, e após os cumprimentos de praxe pedi a ela que me chamasse o Luciano.

Minha mãe que acabara de pousar a pequena xícara onde bebera um gole de café sobre a mesa, falava me de quem se tratava a segunda ligação, quando ouvi sua voz.

- Alô! – falou ele do outro lado.

Eu ficara mudo. Havia pensado se tratar de duas ligações do Luciano.

- Você está ai? – continuava perguntando ele.

Quase desliguei o telefone, tamanha era minha curiosidade em saber o que levara ele a me ligar.

- 28 -

- Desculpa Lú. – falei após ele ter usado um tom mais agudo de voz do outro lado. Dei uma viajada legal agora.
- Que aconteceu? – perguntou com a voz novamente suave.
- Nada não respondi. – respondi.

Ainda havia vários detalhes de minha vida que permaneciam nas sombras. Coisas que para muitos talvez tivessem pouca ou nenhuma importância, que passariam até por bobeiras. Mas ainda me deixavam com medo.

- Bom – continuou ele, e era possível notar agora um tom de alegria em sua voz – tenho uma novidade pra lhe contar.

- Que bom! – falei me esforçando em demonstrar um certo interesse - De que se trata?

Ele então, por minutos que pareceram se arrastar começou a me falar da longa conversa que tivera com o irmão. Senti uma espécie de culpa me oprimindo por estar tratando-o daquela forma. Com tamanha indiferença.
E por instantes me ausentei da conversa, olhos fixos na sombra rendilhada que a pequena samambaia ali pendurada formava na parede.
Adoraria lhe dar toda atenção a que tinha direito. Escutar e até compartilhar dos sentimentos daquilo que me falava. Mas a curiosidade quanto à outra ligação que recebera era maior.

Cheguei a estar de acordo com ele, numa pergunta que dirigira a mim, sem nem saber ao certo de que se tratava.

- Onde a senhora anotou o outro telefone? – perguntei a minha mãe assim que Luciano desligou.

Deitada no sofá atenta as cenas que se intercalavam no tubo colorido em sua frente, ela resmungou um “está ali”. Braço estendido indicando o local.

Disquei pra um número errado na primeira tentativa. Confundira um “nove” mal desenhado com um “cinco”, graças à pequena e ligeira letra com que minha mãe anotara o número.

Erro corrigido, nova chamada. Depois de cinco toques a sua voz surgiu do outro lado da linha. Senti me travado, mas levei em frente:

- Oi! – comecei – Estou retornando sua ligação
- Nossa! – falou – Juro que não esperava o retorno.
- Pois é – retruquei – a curiosidade opera milagres. E ele riu.

(...)

Aos poucos o domingo chegava ao fim. A música do fim do programa na TV, que antes me deixava um tanto melancólico, não me perturbara. A segunda logo estaria começando e uma novidade estaria me esperando logo pela manhã.

Na realidade não via a hora que amanhecesse. Meus planos estavam prestes a começar.

- 29 - (11/02/08 - Quarta)

(...)

Acordara disposto e depois de um belo e demorado banho parti para um reforçado café da manhã. Um excelente humor me invadira.
Mas não aquele tipo de humor que te deixa alegrinho e sim um outro tipo. Algo beirando a crueldade, sarcástico eu diria. Um humor negro.

Minha mãe, sempre tão observadora, pareceu não notar as variações que se passavam em meu espírito. Se percebera, porém, guardara para si.

Um sol quente já despontava por trás da construção. Enquanto fechava o pequeno portão atrás de mim ouvi o já costumeiro assovio. Dessa vez lhe acenei com um leve sorriso nos lábios, e ele com uma piscadela.

(...)

- Então me conta – lembro ter perguntado – a que devo sua ligação? Ainda mais com um pedido de retorno.

Aos poucos ele começou a “desfiar” um rosário onde se intercalavam, ora breves elogios, noutra um ou outro nome. No final o pedido em si.

- Claro que te ajudo. – falei.

Em minha mente, extremamente criativa, já haviam passado diversos planos. E em nenhum deles a presa viria até a toca sem ter sido atraída antes. E agora ele estava ali, fácil e acessível. Isso já me facilitaria em muito as coisas.

(...)

Na escola a história era sempre a mesma. Pais se despedindo dos filhos menores, alunos que chegavam com suas bicicletas ou skates. Havia ainda os que vinham a pé. E toda a pressa para entrar na escola era apenas para o encontro com os amigos.

Caminhei apressado. Queria me encontrar o quanto antes com ele. E ele estava me esperando no lugar combinado. Bom menino pensei.

(...)

- Acha que podemos conversar amanhã? – perguntou
- Claro – respondi – não vejo problema algum nisso. Onde você me espera?
- Pode ser perto da lanchonete. – falou.
- Combinado. Vou um pouco mais cedo pra que você possa me explicar melhor o que precisa. – conclui antes da despedida. Desliguei o telefone.

(...)

A lanchonete ficava do lado oposto a cantina, onde antigamente fora à secretaria da escola.

Ele me viu assim que me aproximei e levantou-se do pequeno banco, rente ao balcão, para me cumprimentar. Uma euforia me transpassou o corpo.

Agora, tendo-o bem próximo, voz baixa algo rouca, não entendo como não reparara nele antes. Nem seria tão difícil “ficar” com ele.

Breno era alto. Cabelos num tom misto entre o loiro e o castanho e olhos esverdeados. Tinha um corpo bem feito. A camisa vermelha dava um certo destaque à tez clara.

- Tudo bem? – me perguntou. Já ouvira sua voz antes, mas essa era primeira vez que voltávamos a nos falar pessoalmente.

Estava dado o primeiro passo.

- 30 -

(...)

A semana transcorreu fácil, ligeira. O sábado se findava e eu já me aproximava da casa de minha avó.
...

Passara a semana ajudando o Breno com seu trabalho durante os intervalos e minhas tardes se dividiam entre os breves cochilos após o almoço e a costumeira leitura de romances policiais.
Luciano aparecia com freqüência cada vez maior em casa, e eu a cada dia gostava mais de sua presença. Certo dia fez um breve comentário após ter me visto conversando com o Breno:

- Fico feliz em saber que seu coração não guarda mágoas dele. Você é realmente uma grande pessoa.

Cheguei a sentir vergonha de minhas idéias nesse instante.

- Mas lembre-se – continuou – cuidado sempre é bom.

Assenti concordando.

Meu plano era simples. A idéia básica era entrar com tudo na vida do Breno. Ser a princípio um amigo. Pra qualquer necessidade, pra qualquer bobeira. O melhor amigo se possível. E fazer de minha presença uma constante. Até me tornar íntimo, confiável. Alguém que transmita total segurança. Eu sabia que, de vantagem, eu tinha a vontade dele em ter algo mais, e não perderia a chance de tirar proveito disso. E uma vez na rede, iria fazê-lo me desejar cada dia mais. A ponto de não conseguir se imaginar sem mim.

(...)

Na quarta ele já havia me convidado para ir até a sua casa. Convite que recusei.

Nossas conversas vinham aumentando diariamente, e não se restringiam mais ao trabalho. Aos poucos ele ia se abrindo, não o suficiente, mais ia.

E só para me garantir, comecei a sondar as pessoas próximas a ele com breves conversas. Todas “ao acaso”. Sem saberem de minhas reais intenções iam expondo-o e me dando exatamente aquilo que eu queria. Seus gostos, seus medos. Suas virtudes e suas fraquezas.

(...)

Quinta pela manhã, quando do meu retorno da escola, encontrei com o Binho em frente à construção.

- Mais um mês – falou – e a obra estará terminada.
- Tão rápido né – retruquei.
- Pois é. E eu gostaria de mostrá-la novamente antes que os donos se mudassem. – disse com olhos luminosos e um sorrisinho sacana nos lábios.
- Pode estar certo que não vai faltar oportunidade. – respondi

(...)

- Com certeza é algum admirador – falou Luciano quando lhe contei a respeito das flores, logo na segunda-feira.
- Pode até ser – comentei na ocasião – mas me diga: o que esse possível admirador adorou?
- Eu sei lá. – ele respondeu – Quem deveria saber disso é você.

A sexta já se findava e eu ainda não havia descoberto nenhum indício de quem poderia tê-las enviado.

(...)

Suspendi meus pensamentos assim que pisei novamente na banca.

“As investigações sobre a morte do jovem empresário completam sete dias e a polícia ainda permanece sem suspeitos. Alvarenga, delegado responsável, já interrogou empregados, últimos clientes e a noiva. Muito abalada, a jovem Adriana chegou em companhia do irmão da vítima, Sr. Ricardo. Segundo o mesmo, o irmão não vinha recebendo nenhum tipo de ameaça. O jovem Eduardo morrera a golpes de garrafa. A polícia desconfia de que se trate de um possível crime passional. O restaurante que não apresentava sinais de arrombamento também não teve nenhum objeto roubado”.

Paguei pelo jornal e sai da banca. O sol quase se escondera.

Quando chegasse em casa, recortaria as últimas notícias do caso e as colocaria na pasta. Começara uma coleção delas.

(...)

Já conseguia vê-lo sentado na pequena mureta, quando dobrei a esquina.

- Finalmente você chegou hein – falou assim que eu parei em frente a seu portão.

Sorri. E retribuindo o sorriso retrucou:

- Já estava desistindo.
- 31 - (12/02/08 - Quinta)

Logo reparei no short branco que usava. Curto e largo.

- Seus avós saíram a pouco – falou.
- Pra onde será que eles foram? – questionei, mas nem um pouco interessado na resposta.
- Não sei – respondeu e com um leve sorriso no rosto emendou: Mas não foi pra isso que veio aqui né?

Senti-me meio sem jeito.

- Você vem ou não conhecer minha casa? – perguntou.

Meu coração, nesse instante, foi a mil. Aquele típico frio de barriga que nos acomete em situações “nervosas” veio misturado a um tesão intenso. Fiquei imediatamente excitado.

(...)

Dentro da casa, e ele foi me mostrando todos os seus cômodos. Mesmo que não quisesse, a imagem do Binho me veio a mente. A cozinha, muito bem desenhada, tinha armários em branco e cinza e uma mesa de granito ao centro. O banheiro era retangular com um Box de vidro fume demarcando a área do chuveiro. Mostrou também os quartos, que ainda cheiravam a tinta, e a pequena lavanderia ao fundo. Era perfeito demais, eu sozinho ali com aquele homem maravilhoso.

Voltamos a sala e ele ligou a TV, que àquela hora só tinha porcaria. A maneira como se sentara, na realidade ele se jogara no sofá, me permitia ver a cueca branca que ele usava. Fiquei maluco.

- Que tal assistirmos a um filme? – perguntou.

Assenti perguntando se ele tinha algum legal e ele, como resposta, me devolveu uma nova pergunta:

- Você gosta de filmes quentes?
- Adoro – respondi, apesar de só ter visto um ou dois em toda a minha vida. Mas eu sabia que todo homem curtia assistir a um.
- Então pega um ai – disse apontando a parte de baixo da pequena estante cerejeira, onde ficava a televisão – e põe no vídeo.

Peguei o primeiro que vi e coloquei no vídeo. O filme já estava começado e logo apareceu uma mulher loira chupando um negro. Fiquei imóvel e senti dificuldade em engolir. André passava a mão pelo peito e descia com ela até a protuberância que se formava em seu short. Minha excitação era tamanha que chegava a ser dolorida. Aproveitando a cena em que a mulher fazia sexo anal com o negro ele perguntou:

- Você gosta?

Morrendo de tesão respondi que sim, e ele já sabendo o que iria acontecer continuou:

- Você quer sentir minha pica?

Sem pressa disse que sim, que a desejava já tinha uma semana. Se levantando me pediu pra tirar seu short. E eu fui tirando, devagar. Até que ele ficou só de cueca. Minha nossa, pensei, que volume maravilhoso tinha aquela cueca.

Pegando-me pelos braços ele me levantou, e imediatamente começou a me beijar. E enfiava bem fundo sua língua em minha boca. Lambeu minhas orelhas. Não agüentava mais tamanha excitação que me invadia. Ele então tirou minha blusa e começou a chupar meus mamilos dizendo que eram gostosos como de uma mulher, e chupava cada vez mais. A certa altura ele parou e me fez um pedido:

- 32 -

- Tira a minha cueca.

Ajoelhei-me e comecei a mordiscá-lo por cima da cueca e ele gemia de prazer. A cada toque meu ele gemia algo do tipo: “Isso pega no meu mastro”.

Quando não conseguia mais esperar, tamanha era a minha ansiedade, baixei sua cueca.

Fiquei um pouco espantado. Seu pênis era grande, uns 19cm talvez, e grosso. A glande era rosada e algo gorducha. Seus pêlos eram clarinhos e macios. Comecei beijando e lambendo suas bolas, que também eram enormes, enquanto lhe aplicava uma leve masturbação com a mão. Ele gemeu mais forte e um líquido transparente começou a surgir na ponta do seu membro. Aos poucos o coloquei em minha boca, mas devido ao tamanho não entrava por inteiro. O líquido tinha um gosto meio salgado e quanto mais eu chupava, mais saia.

Ele então se sentou no sofá e abriu bem as pernas para que eu pudesse continuar meu “exercício oral”. E era uma visão maravilhosa o que eu tinha ali: ele sentado no sofá, de tom mostarda, todo peladinho, pernas abertas e pau duro, esperando por mim.

Ajoelhei e me encaixei no meio de suas pernas de pêlos aloirados. Abocanhei-o novamente e agora o chupava sem parar. O prazer dele, e vim reparar que era o prazer de todos, era quando eu fazia fortes sucções próximas a glande. Ele segurou minha cabeça e começou a empurrá-la para baixo e puxa-la para cima. A certa altura, enquanto dizia impropérios, empurrou-a até o fim e senti me engasgar.

- Isso – dizia – chupa minha pica, chupa... não pára... isso... engole ela... mama gostoso, mama... isso... mama que logo te dou leite quentinho.

E quanto mais ele falava, mais eu me excitava e mais eu chupava. De repente ele começou a gemer mais alto e quando eu menos esperava, senti um jato quente dentro de minha boca. E ele falava, enquanto eu ainda o mantinha dentro:

- Isso prova a minha porra, que depois eu vou te comer gostoso.

Não agüentando mais, também gozei. Dentro da roupa e sem um toque. E gozei pra caramba. Continuei a chupá-lo e quando achei que já tinha acabado de sair porra tirei o da boca. Inesperadamente ele deu um outro gemido e ejaculou novamente, agora em meu rosto. Impressionado com tanto líquido pus me a chupá-lo novamente.

- Toma minha porra, toma – gemia.

Quando eu estava com a boca cheia ele me deu um beijo. Queria sentir seu próprio gosto.

(...)

Levantando-me novamente, disse que era a vez dele me provar. Começou a baixar minha calça.

- Nosso você também gozou gostoso. – falou. E eu realmente nunca tinha gozado tanto.
- Então vamos gozar mais - continuou, enquanto suas mãos passeavam em minha bunda – porque agora quero te fuder.

Pegando-me por trás num abraço apertado, colocou seu pênis, que parecia não abaixar, entre minhas pernas. Passando a língua em minhas orelhas se pôs a sussurrar bem baixinho coisas obscenas, que eu nem conseguia responder.

- Abre bem. – disse enquanto me colocava de quatro, debruçado sobre o encosto do sofá – Abre bem que eu vou entrar.

Fiquei com medo da dor, mas ele disse que seria delicado. Começou então a me lamber. A certa altura deu uma bela cuspida e se pôs a roçar atrás de mim. Aos poucos ele foi me preenchendo. Quando eu já me acostumara com quase metade, ele começou um leve entra e sai. Sem eu esperar, ele enfiou tudo de uma só vez. Gritei numa mistura de dor e prazer.

Ficamos assim por longo tempo. A cada nova investida sua, eu gemia mais alto. Meu tesão aumentava à medida que seu saco se chocava com minhas nádegas. Suas palavras também me estimulavam:

- Vai minha cadelinha - gemia – geme... geme que eu sou seu cachorrão gostoso.

Ele então saiu de dentro de mim e me puxando levou-me até a cozinha.

- Agora senta-se à mesa – falou. E eu sentei
- Abre bem pernas – continuou. E eu abri

Ajeitando minhas pernas em sua cintura, se enfiou em mim novamente. E agora suas investidas eram ainda mais fortes.

(...)

Levantando-me da mesa ficou fodendo em pé, comigo pendurado em sua cintura, até me encostar na parede.

Já não agüentando mais me colocou novamente deitado na mesa e anunciou que não conseguiria se segurar mais. Senti então um jato quente dentro de mim, e gozei também.

(...)

Ele me abraçou e me beijou pelo longo tempo em que se manteve dentro de mim.

- Gostou? – perguntou com voz sacana.

Ainda descrente de tudo que acontecera disse que tinha adorado. E ele disse que só dependia de mim para que aquilo acontecesse mais vezes.

Nos limpamos. Vesti-me. Coloquei a cueca novamente nele seguida pelo short. Dei lhe uma ultima pegada, no que ele falou:

- Melhor não ficar pegando assim, porque se ele ficar duro de novo, vou querer te fuder de novo. E riu.

Alegando que já estava tarde, mas que outro dia com certeza repetiríamos tudo aquilo, me dirigi à porta.

Com um leve beijo, nos despedimos, e sai porta afora. A leve dor quando eu andava havia ressurgido.

Tudo havia sido bom demais, mas uma preocupação franziu meu rosto. Transamos sem camisinha.

- 33 - (13/02/09 - Sexta)

(...)

Passaria um mês desde o D.A. (Dia do André), até que eu voltasse a reencontrá-lo. Era um sábado, e junto consigo ele me trouxe uma grande surpresa. Surpresa que deixou-me um tanto balançado. Alias, minha vida vinha sendo modificada demais nos últimos tempos. Uma grande onda de mudanças se fazia sentir, e até mesmo quando os fatos eram indiretos, eu era capaz de sentir seus efeitos.

O começo, ainda me lembro, se deu logo na terça-feira, quando o Luciano veio a meu encontro durante o intervalo...

(...)

- Precisei mudar de turma – falou, fitando-me nos olhos.
- Mas por quê? – perguntei, mencionado o fato de estarmos no começo de outubro.
- Trabalho. – respondeu. Agora estou fazendo o período integral.

Senti-me chateado.

- Com isso – continuou – ganho um pouco mais de dinheiro para por em casa, sem falar na chance de crescimento.

Com exceção do Breno, com quem falava a cada dia mais, Luciano era meu grande companheiro.

- Agora você vai sumir né? – perguntei rosto entristecido.
- Imagina – respondeu. Esclareceu ainda que fora até ali para acertar uns papéis na secretária e para matar a saudade de me ver, já que não nos encontráramos no final de semana.

Aproveitando meu silêncio, emendou:

- Gostaria de lhe convidar para ir à exposição comigo a exposição que abre domingo.

Lembrei-me imediatamente, já que lera sobre ela no jornal.

Ele já estava de saída quando um pequeno ruído se fez a nosso redor. Colocando a mão no bolso, Luciano retirou o pequeno celular que vibrava. Não me lembrava de ele ter me dito possuir um.

- Já te ligo. – falou de modo seco.

Vendo que eu ainda lhe olhava, falou:

- Era minha mãe.
- Ahhh – resmunguei.

Com um breve abraço, ele se despediu.

- Bom, - perguntou - então está combinado?

Concordei.

- Duas horas na Rua da Estação?
- Exato – respondi.

Nem bem saíra da escola, e já falava no celular.

(...)

Eu e o Breno viéramos conversando. Já estávamos próximos ao portão quando ele se adiantou. Sua mãe, de pé na porta do carro, lhe fizera um sinal de que estava com pressa.

- Até amanhã. – falou com um belo sorriso no rosto.
- Até – respondi.

Simpático e muito educado, era assim que ele era. Muito diferente da imagem que eu havia feito. Minha atenção então se voltou para algo inusitado que ocorrera assim que Breno passou pelo portão.

- Que estranho. - resmunguei.

- 34 -

(...)

Anoitecera, e minha garganta começara a “arranhar” novamente. Era a segunda vez nesses últimos quinze dias. E eu começara a me preocupar. O dia tivera surpresas demais, tinha que me preservar para a noite.

Pegando a tolha sobre a cama, fui para o banho. Já eram nove horas e eu tinha que começar a me arrumar.

(...)

Olhei-o com surpresa e desconfiança. Ele dirigiu então a palavra a mim:

- Nos últimos tempos parece que você tem me rejeitado, fugido de mim e eu gostaria de desfazer esse clima. Poderíamos conversar?

Fiquei realmente excitado em pensar no que ele queria me dizer, que quase me esqueci de quem se tratava. Ainda tinha o fato de ele e o Breno terem se cruzado no portão e não ter acontecido um cumprimento sequer.
Eu sabia que eram amigos. O próprio Rodrigo me dissera isso noutro dia, quando viera à escola para conversarem.
Será que tinham brigado? Ou tudo não passava de parte do novo plano deles?
Resolvi não perguntar.

Sentamo-nos num dos bancos de cimento que se espalhavam pelo pátio.

Ele, pra variar, estava muito bonito. Seu cabelo crescera, e agora ele tinha um pequeno rabinho.

- Você deve estar com alguma má impressão de mim, - disse ele- boato sem procedência podem correr por ai, mas a verdade é uma só. Sinto a sua falta e quero muito estar com você.

Senti meu corpo resfriar-se por um momento ao ouvir aquilo, mas logo a sensação passou. Agora sabia que a armação continuava e ele estava firme no propósito em ganhar mais uns trocados.

- Pois bem. – falei. Poderei estar em sua casa hoje às oito. Lá teremos muito tempo para conversarmos e nos distrairmos.

Ele sorriu. E eu também, por dentro. Esse seria o meu primeiro passo em sua direção. Um passo que iria fazê-lo lembrar da humilhação e também do sofrimento que me fez passar.

(...)

Já eram quase dez horas quando o telefone de casa tocou. Eu estava acabando de escovar os dentes para ir dormir, quando minha mãe bate na porta do banheiro e anuncia:

- Um tal de Rodrigo no telefone quer falar com você.

- 35 - (17/02/09 - Terça)


Enxuguei a boca e fui atender ao telefone.

- Alô! – eu disse.
- Você está achando que eu sou palhaço? Fiquei a noite toda te esperando e você não compareceu! – ele disse em tom alto e violento.
- Desculpe-me, mas tive problemas com minha mãe e não pude sair de casa, não deu pra te ligar avisando também. – falei em tom calmo e com certo remorso, tentando apaziguar a situação.
- Nunca mais me faça de otário, entendeu? – e desligou o telefone de forma bruta, sem ao menos se despedir.

(...)

Após um breve sermão, despedi-me de meus pais. Era a primeira vez, depois de um longo recolhimento voluntário, que eu sairia de casa para uma balada. O calor não era tanto, podia se dizer que a noite estava fresca.
Logo que me viu, ele abriu a porta do carro e sorrindo me perguntou:

- Está pronto?

Sorrindo em retribuição, respondi que sim.

- Então vamos nessa. – concluiu.

(...)

A semana custou a passar. A companhia de Luciano me fazia falta, e novamente eu me sentia descrente em relação ao Breno.

Cheguei ao local combinado com dez minutos de antecedência. Estava impaciente esperando a sua chegada. Olhava a cada instante para o relógio.
Para me distrair, fiquei a observar a vitrine de uma loja de brinquedos que estava muito movimentada.
Cada ursinho feio pensei. Como uma criança pode gostar de algo tão sem graça assim?
Distrai-me tanto com a vitrine, que nem o vi chegando. Senti apenas um toque suave em meu ombro. Era o Luciano.

Olhei-o com admiração. Ele estava muito bonito. Vestia um jeans escuro e uma camiseta vermelha justa que lhe realçava muito bem o físico. Naquele momento reparei o quanto ele era belo.

- Me esperou por muito tempo? – perguntou, enquanto me cumprimentava.
- Não – respondi – de forma alguma. Acabo de chegar também.
- Vamos então? – Luciano tornou a perguntar.

Concordei.

O relógio marcava 14:15. Ele se atrasara quinze minutos.

- 36 -

(...)

A exposição estava acontecendo num grande pavilhão, onde comumente eram realizados eventos de porte semelhante.
Ideogramas em preto podiam ser vistos logo na entrada, pintados nas grandes luminárias vermelhas, que pendiam no teto.
Garotas vestidas à gueixa recepcionavam os visitantes. Adentramos o grande salão.

(...)

Fábio era o nome do rapaz que dirigia o carro. Teríamos ainda cerca de cinqüenta minutos de pista até que finalmente chegássemos a nosso destino.
Sentia me um tanto tenso. Estados de euforia se intercalavam com outros mais depressivos.
Será que eu estava bem vestido? Encontraria algum conhecido lá? Não sabia ao certo como agir.
Minhas mãos começavam a ficar molhadas de suor.

Vendo uma certa tensão em mim, Breno perguntou:

- Você está bem?
- Deve estar nervoso – retrucou Fábio ao volante. – Não é verdade?

Apenas concordei.
Eles se entreolharam. Todos rimos.

(...)

Planejada para que nos sentíssemos num pequeno vilarejo oriental, a exposição tinha montado em seu percurso o interior de pequenas casas, templos, restaurantes e lojas.
Havia lindos arranjos, origâmis, gente comendo com “pauzinhos”. Até uma pequena apresentação de dança aconteceu.
Estava adorando tudo. Mas mesmo que a exposição não me agradasse, que ela não estivesse empolgante, os momentos encantadores que eu passara na companhia do Luciano já teriam valido a pena.
Jogamos bastante conversa fora, rimos de alguns objetos que achamos estranhos e também de alguns pequenos acontecimentos.
Foi uma tarde muito gostosa.

(...)

Passamos pelo portão do grande muro que ladeava a boate. E Fábio rumou para o estacionamento. Alguns olhares da grande fila se voltaram em nossa direção. Sentia me agitado. Agora não tinha mais volta.

(...)

- Obrigado por sua companhia hoje. Adorei passar essa tarde com você.

Senti meu rosto corar, à medida que Luciano segurava desajeitadamente minhas mãos e me dizia aquelas palavras.

- Eu é que devo agradecer - falei. – Há muito tempo que eu não me sentia tão bem, quanto me senti hoje.

Tomando cada um a sua direção, nos despedimos.

- Eu te ligo amanhã – falou.
- Então até – respondi.

Olhei-o por cima do ombro, mas rapidamente me virei, quando notei que ele também me olhava. Após alguns passos tornei a olhar. Ele agora já estava longe, andando vagarosamente.

(...)

Escolhi um cd assim que cheguei em casa e me pus a ouvi-lo. Djavan. Achei que era o mais apropriado para o momento.
Não conseguia parar de pensar no Luciano, e no ótimo dia que tivemos juntos. Seu olhar meigo, seu jeito simpático, sua voz polida e a forma carinhosa como ele me tratava.
Neguei então uma idéia que começava a tomar forma em minha mente, a de que eu podia estar apaixonado por ele.

- Não – falei. É apenas um forte sentimento, uma grande amizade. Nada mais.

Precisava realmente crer nisso.

- 37 -

(...)

A fila era enorme. Homens, mulheres e outras... variações podiam ser vista ali. Ainda me sentia apreensivo.
Os homens, em sua maioria, dividiam se em dois grupos. Os mais magros (uns beiravam o raquitismo) e os mais cheios. No segundo grupo incluíam-se: gordos, malhados e marombados. Em ambos, entretanto existiam aqueles mais afeminados e aqueles que eu chamaria de imperceptíveis.

(...)

Nos dias vindouros, nem um sinal de Luciano me deixaram chateado. Nenhum telefonema, nenhuma mensagem, nenhuma visita.
Seria minha sina, sempre desejar alguém mais do que ser desejado?
Pelas ruas, via vários casais felizes e entrosados. Seria somente aparência? Realmente eram felizes. perguntava-me com certa freqüência. Ou será que o problema estaria no tipo de casais?
Por vezes cheguei a desconfiar que nós gays, não conseguíamos levar um relacionamento adiante, devido às dificuldades que nos cercavam.

Sou daquelas pessoas, que realmente acredita que após o “the end”, toda história continuava (ao menos em minha cabeça) e entre um problema e outro, os protagonistas que tanto lutaram por seu amor, ainda o mantêm. Renovado a cada dia. Recriado, refeito.

Serei eu apenas um coadjuvante? Não mereço também um final feliz? – me perguntava lembrando que nas mesmas histórias, até mesmo os pequenos papéis conseguiam encontram sua outra metade.

...

Enquanto Luciano desaparecia, Breno tornava sua companhia a mais freqüente.

- Nove – falou assim que se aproximou de mim, durante o intervalo da quarta-feira. – Tirei nove.
- Hã?! – resmunguei meio deslocado.
- Eu tirei nota nove – explicou – no trabalho em que você me ajudou. Obrigado.
- Imagina – falei um tanto embaraçado.

Por mais esforço que eu fizesse para desacreditá-lo, algo em seu jeito de me olhar, de falar comigo não me permitia isso. Bastava que ficássemos juntos por quinze minutos e altos papos se desencadeavam com fluência extraordinária. Os assuntos como que brotavam. Tal qual os sorrisos.
As “investigações” que fizera a seu respeito me deixaram ainda mais espantado. Ele fazia coisas que me eram inimagináveis. Como o fato de fazer trabalho voluntário no orfanato toda terça-feira.
Nas horas vagas, entre um curso e outro, ajudava o pai no comércio que possuíam.
Espantava-me que alguém com esse perfil, nem os amigos diziam mal a seu respeito, era capaz de certas “maldades”.

(...)

Por mais que eu gostasse, por mais que eu tivesse visto em uma ou outra revista, o beijo entre “iguais” era muito... chocante eu diria, quando visto pela primeira vez.
Devo ter ficado com cara embasbacada, e de queixo caído, o qual Fábio entre risos levantou. Um tanto sem graça, forcei um risinho.

...

A boate estava cheia. Aos poucos fui me adaptando ao ambiente, me soltando.
Sobre o balcão do bar, logo na entrada, havia um rapaz dançando. A única peça a lhe cobrir o corpo, era uma minúscula sunga branca. Alias, que corpo. Eu diria se tratar de uma réplica viva do David de Michelangelo. Com a barriga e pernas extremamente definidas, fazia calmos gestos sensuais. O rosto de maxilar quadrado abrigava ainda lábios grossos e olhos castanhos, estes últimos bem destacados devido ao cabelo curto.

(...)

Quando a sexta-feira chegou e eu ainda não tivera nenhuma notícia do Luciano, achei que precisava tomar alguma atitude. A situação estava começando a me deixar incomodado.

Já havia ligado em sua casa por duas vezes e mesmo tendo deixando um recado com sua mãe, não obtive retorno.

- Ele ainda não chegou – disse ela. Dei seu recado a ele, mas essa semana está muito puxada pra ele. Acho que esqueceu de te retornar.

O Luciano esquecido? Estranhei.

- Claro – resmunguei. Se a senhora puder, avisa ele que eu liguei novamente.
- Pode deixar – falou.

Agradeci. E nada.
...

Uma chuva fina começou a cais quando estava saindo da escola. O céu estava todo encoberto desde manhã.
Com passos apressados, me escondendo entre um toldo e outro, tomei a direção do clube.

...

Com exceção das segundas-feiras, quando permanecia fechada na parte da manhã, a secretaria do clube funcionava em horário comercial.

Assim que cheguei, me prostrei atrás do pequeno portão de madeira colocado na porta, cuja função também era servir como uma espécie de balcão.

Sentada atrás de uma mesa, com os dedos a estalar na antiga máquina de escrever, visualizei a que talvez fosse a única funcionária daquele departamento. Cabelos cacheados chegando a altura dos ombros, numa espécie de elmo e um rosto um tanto desanimado, fazia com que parecesse um tanto mais velha. No entanto devia ter uns 29 anos. Talvez estivesse insatisfeita, com o fato de estar perdendo os melhores anos de sua vida ali, naquele pequeno cubículo.

Erguendo os olhos do serviço que executava, e com voz de quem àquela hora do dia ainda tinha sono, perguntou:

- Pois não? Em que posso ajudá-lo?

Atrás dela, sobre os dois grandes armários de ferro que serviam como arquivo, vários troféus colocados lado a lado, cumpriam a função de ornamento.

- Procuro pelo Luciano – falei. Ele está?

- 38 -

(...)

Meus olhos pareciam não dar conta de tantos fatos e coisas a serem assimilados. Estavam perdidos.
Meus ouvidos, entretanto, estavam extasiados. Se havia algo ali, o qual não se podia criticar esse algo era a música.
Enchendo o ambiente de ritmo e alegria, uma após a outra, as músicas faziam com que uma profusão de corpos entrasse numa espécie de transe.

- As músicas me são desconhecidas – admiti para o Fábio – mas eu admito que são as melhores que eu já ouvi.
- São as músicas típicas de nossas boates – falou ele - dos nossos espaços. - Não sei se você sabe – emendou – mas a maioria das músicas que você irá ouvir nas rádios ou nas outras boates são ouvidas primeiro nas boates GLS. Isso, em sua maioria, com um atraso de sete ou oito meses.

Mostrei me espantado.
...

Outra coisa que havia reparado era o número de seguranças, o mínimo. E no decorrer da noite vim a entender o porquê. Não presenciei nenhuma briga, ou discussão que fosse.

...

Em grandes saltos plataforma, maquiagem e roupas com cores expressivas, as drag queens também circulavam pelo ambiente.
Fábio me explicou que diferente dos travestis, que andam, se vestem e tentam adaptar o corpo para assemelhá-lo ao de uma mulher, as drag tinham apenas aspirações artísticas.

- As roupas e a maquiagem espalhafatosas – falou – são usadas apenas dentro de nossos redutos. Fora daqui usam roupas e tem a vida comum à de todo homem.

Achava engraçado o modo dele falar, nos incluindo nos ambientes.

(...)

- Ele saiu a pouco pro almoço – falou ela. Aproveitou a carona de um amigo, para ir até sua casa.
- Ah ta! – resmunguei já desanimado
- Mas – completou – se você der uma corridinha, deve alcançá-lo ainda no estacionamento.
- Obrigado – falei apressado, enquanto me pus a correr rumo ao estacionamento.

O clube fora fundado em 1922 e era o maior de minha cidade. Ocupava toda uma grande quadra.
A um lado, com suas arquibancadas a ladeá-lo fica o campo de futebol, e seus dois grandes portões, que são abertos em dias de jogo.
Se caminhássemos acompanhando o grande muro, veríamos também as cinco pequenas fendas quadradas que funcionavam como bilheteria.

A meio caminho fica a secretaria, onde eu estivera a pouco, e também um longo corredor que leva as outra imediações do clube: piscinas, quadras de tênis, vôlei, squash, uma pequena lanchonete e um parque infantil. Existe ainda: as quadras de futebol de salão e vôlei na areia, a pista de bocha...

Finalmente, concluindo o grande terreno, existe um grande barracão. E nele geralmente, onde o clube realiza grandes festas, entre elas o seu conhecido carnaval. E eu teria que passar por ele para conseguir chegar ao estacionamento.

(...)

Saímos da boate, quase quatro horas.

- Por mim – falei - ficaria horas ai.

Breno, que iria dirigir na volta, me perguntou:

- Você gostou né?
- Se gostei? Eu adorei. – respondi

Todos rimos. “Foi a melhor balada que já tive em minha vida até agora” – pensei.
Com exceção de mim, que ainda me sentia eufórico, ambos mostravam sinais de cansaço.

- A gente vem de novo, pode deixar. – Fábio retrucou agora no banco de passageiro, enquanto fechava o cinto.
- Tomara – conclui.

...

Bruno havia conhecido Fábio no cursinho que vinha freqüentando desde a metade do ano. Entre um papo e outro, durante as aulas, descobriram-se amigos.

(...)

Cheguei a esquina do estacionamento esbaforido e molhado. A chuva não cessara.
Parei um instante, e arqueando o corpo para frente soltei todo o ar dos pulmões. Aos poucos, a respiração começou a se normalizar. Erguendo os olhos, tentei então localizar o Luciano.

- Será que cheguei a tempo? – me perguntei.

- 39 -

Estranhei quando a jovem da secretaria me disse que ele havia saído com um amigo. Pelo que eu me lembre, ele nunca mencionara existir um. Ou existia?

- Será que ele conheceu alguém, por isso sumiu? – perguntei-me. – Ou era apenas ciúmes de minha parte?

Senti um pequeno frio na barriga.

(...)

Fui o primeiro ser deixado em casa, já que ambos moravam em bairros próximos. Entretanto, antes de descer do carro, pus em prática algo novo que conhecera aquela noite. As pessoas (tanto os homens quanto às mulheres) da boate tinham por costume dar um beijo no rosto de seus amigos, quando os cumprimentavam. Fosse na chegada, fosse na despedida.

- Até mais – disse, enquanto meu rosto se encostava ao do Fábio e um estalo de beijo ecoava. – Foi um prazer te conhecer.
- O prazer foi meu – respondeu ele, correspondendo ao gesto.

Quando me dirigi ao Breno, com as mesmas intenções, encontrei-o me olhando, com um bonito sorriso nos lábios.

- O que foi? – perguntei.
- Estou feliz em saber – respondeu – que você gostou da noite de hoje.
- Gostei sim – respondi, correspondendo ao sorriso – obrigado.

Vindo em minha direção, deu me um breve selinho. Fiquei meio sem jeito, apenas a observá-lo.

(...)

O estacionamento estava cheio aquela sexta-feira, devido a uma feijoada beneficente que acontecia ali.
Caminhei devagar por entre os veículos, em sua maioria prateados. Hoje em dia, pensei, as cores dos veículos resumiam se em variações metálicas do chumbo, prata, cobre e verde. Sendo uma ou outra a fugir do padrão.
Ao longe, dois carros começaram a movimentar-se. A chuva agora deu uma engrossada. Caminhei devagar em sua direção, procurando me manter na larga rua que servia como saída para os veículos.

(...)

Tudo aconteceu de modo muito rápido. Com as mãos estendidas, Breno segurou meu rosto e vindo agora em minha direção, deu me um beijo. Correspondi. E por instantes senti-me em outra dimensão. Sequer me lembrei que estava na parte de trás do veículo, espremido entre os bancos dianteiros.

...

Ouvi certa vez, não me lembro onde, que não existem beijos ruins, nem pessoas que beijam mal, mas sim beijos que combinam. E o dele, me fora muito bem aceito.

- Finalmente – bradou Fábio.

Rimos com as bocas ainda unidas. Havíamos passado toda à noite a circular pela boate, um ao lado do outro, apenas conversando. Fábio, que só voltara a nosso lado ao fim da noite, havia ficado com um carinha que xavecou por horas.

Dois ou três beijinhos rápidos, e desci do carro.

- Eu te ligo assim que acordar – falou ele, com o rosto luminoso.

Sorri, e lhe dei mais um selinho. Não podia arriscar tanto. Não àquela hora da manhã, ainda mais estando em frente a minha casa.

...

Subi vagarosamente as escadas rumo a meu quarto. Meus pés latejaram, assim que me joguei sobre a cama, apenas de cueca. Fora uma noite maravilhosa.

Quase esquecera dos dias de cão que havia passado. Até a dor da minha garganta diminuiu.

Meus olhos, pesado que estavam se fecharam. Adormeci.

- 40 -

(...)

Um senhor dirigia vagarosamente o Pálio verde musgo, primeiro carro a vir em minha direção. Estava só. A seu lado, unidas por uma haste metálica, quadro marmitas.

- Esse almoça com a família – pensei

O estacionamento era nada mais que um amplo terreno demarcado e ainda sem cobertura. O carro seguinte não tardou a passar por mim e nem sinal do dito cujo.
Afastei o cabelo molhado do rosto.

Acho que já é hora de desistir – disse me – Não está dando nada certo nessa busca...

Caminhei devagar pela pequena subida pela qual chegaria ao centro da cidade. Eu estava em sopa.
Uma grande correnteza de veículos fluía pelas ruas àquela hora do dia. Nas calçadas, um tanto estreitas, guarda-chuvas executavam um estranho bailado.
Fiquei parado por longos instantes, a espera que o semáforo se tornasse verde para mim, sob o grande toldo azul da farmácia.

“FRALDAS EM PROMOÇÃO” anunciava um grande cartaz preso a porta.

O destino às vezes age por estranhos meios. Depois de tanta correria, foi no exato instante em que o sinal se abriu, e eu estava preste a atravessar a rua quando o vi.

E não gostei do que vi.

- 41 -

“Acabei de fazer uma aposta com um amigo”, aos poucos aquela frase que tanto me perturbara voltou a minha mente.

Minhas pernas bambearam e um gosto ruim chegou a minha boca. Controlei-me e por pouco as lágrimas não surgiram.

Tudo ganhara novas cores agora. Sumiram as vozes, as imagens. As pessoas, que há instantes atrás andavam apressadas, o grande fluxo de carros, a chuva, tudo desaparecera.

Senti me ridículo e sem senso, já que a cada novo passo me perdia ainda mais.

“Ele saiu a pouco pro almoço. Aproveitou a carona de um amigo, para ir até sua casa” – uma voz feminina era quem martelava minha cabeça agora.

O sinal se abriu e os carros vagarosamente tomaram seu rumo, e eu continuava ali, fixo no mesmo lugar, ainda aturdido com tudo aquilo.

Pior ainda que a visão foi o fato de nenhum deles sequer ter me notado ali, parado como um idiota. Nem o Luciano, a quem eu tanto busquei, nem seu recém descoberto amigo: Rodrigo.

Acabou – falei alto, despertando a atenção de um ou outro transeunte.

Estava decidido, ao menos naquele instante, que não queria saber de mais nada. Não queria nem contatos, nem detalhes, nem explicações, nada.

...

Ainda levei cerca de meia hora até chegar em casa. Após o almoço, subi pro meu quarto e me joguei na cama.

Mesmo não querendo pensar em mais nada, uma revolução começava a tomar forma em minha mente.

Após um tempo e com certo custo, adormeci.

- 42 -

Já era noitinha quando acordei. Camisa empapada de suor. Tive um sono agitado. Das visões que me perseguiam, umas sombras permanecem sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios.
“Posso estar me precipitando” – pensei enquanto me sentava na cama, no entanto sabia que algo estava diferente. Procurei não pensar mais, já havia me prometido isso.

...

Caminhei para o banheiro, toalha em mãos. Não iria passar a noite em casa, não curtindo fossa por algo que nem havia acontecido.

...

Jantei devagar. Uma leve ardência na garganta me dificultava a deglutição. Meus pais estavam em mundos distintos. Ele, lendo o jornal que chegara de manhã. Ela, de pé junto a pia, copo ensaboado nas mãos e atenção nas cenas da novela que enchiam a tela da pequena tv.

...

Sai de casa, não sem antes esclarecer a ela aonde supostamente eu iria. No fundo, nem eu sabia ao certo onde era. Queria caminhar, espairecer, curtir.
Pelo caminho, encontrei diversas pessoas, dos mais variados tipos. Algumas com material escolar embaixo do braço, saídas de escolas diferentes. Topei ainda com duas freiras ambas vestidas de branco, com um senhor com lábio leporino evidente, ainda que usasse bigode e com um menino, que achei a coisa mais linda do mundo. Cabelo preto todo cheio de pontas e tez branca, subia com certo esforço a grande rua principal em sua bicicleta prateada. A bermuda um tanto larga, deixava a mostra grande parte de sua cueca branca.

...

Ainda circulei por um bom tempo. Perambulei por ruas movimentadas, outras nem tanto. Ainda não saberia ao certo o que acabaria com esse meu desassossego. Cheguei a pensar na possibilidade de passar pela rua de minha avó, na esperança de rever o André, mas desisti.

Foi então que algo me ocorreu. Uma surpresa, quando tomava o caminho de volta pra casa.

- 43 -

Há duas quadras de casa, numa esquina, havia uma lanchonete. No verão, especialmente às sextas-feiras, muita gente ia pra lá tomar um chope.

Binho! – exclamei com voz alta, ao vê-lo.

Ele estava sentado numa das mesas que eram postas do lado de fora da lanchonete. Bermuda preta, camiseta regata branca e chinelos havaianas da mesma cor, levava o copo de chope a boca quando me viu chegando.

Há quanto tempo – falou já levantando. – Como andam as coisas?
Tudo normal – respondi enquanto lhe apertava a mão.
Cara – falou já com os dentes a mostra – Senta ai um pouco e bebe algo com a gente.

Dito isso, já arrastou uma cadeira da mesa do lado. Sobre a que estava havia dois copos. O seu e um outro pela metade. Senti-me um tanto sem jeito, mas ele insistiu:

Senta cara.
Não vou atrapalhar? – perguntei apontando o outro copo.
Nada – respondeu. É meu primo que chegou de Sorocaba que tai comigo.
Ahhh – resmunguei.
Já eu te apresento ele – falou. Assim que ele voltar do banheiro.

Senti-me um tanto estranho ali, já que não tinha tanta intimidade com ele. Não no sentido de papo. Mas, entre um papo e outro, acabamos nos entrosando e nos atualizando sobre nossas vidas.

Entre outras coisas, adorava seu timbre de voz. Era grosso, mas não exageradamente. E seu jeito de falar, cheio de gírias, também me agradava.

...

Seu primo não tardou a chegar. Surgiu do nada, assim que o garçom terminou de anotar meu pedido.

Esse é o Marcel – falou apontando para o rapaz.

Era um “puta” de um primo.

- 44 -

Moreno claro, cabelos curtos e voz um tanto rouca, tinha cerca de 1.86m. Daí o motivo do “puta”. Vestia uma camiseta larga num tom bege, mas que se tornava um tanto justa sobre os ombros e peito largos. Era um belo rapaz.

Após o breve aperto de mãos, ele tornou a se sentar em seu lugar junto a nós. E o papo correu solto.

...

Passada meia hora, desde que eu sentara ali, e senti o breve ar gelado que agora circulava.

Ta esfriando! – falei enquanto cruzava os braços. Minha garganta reclamava, a cada vez que eu engolia. – Preciso ir embora.
Já? – perguntou Binho. – Se esperar mais um pouco a gente te leva.

Marcel balançou a cabeça em sinal positivo, enquanto colocava o copo de volta a mesa. Era espantoso a rapidez com que eles bebiam.

Mas minha casa é aqui pertinho – retruquei.
Eu sei muito bem onde é sua casa. – falou Binho, com um sorriso nos lábios e voz um tanto arrastada.

Sorri de volta.

Fica mais um pouco – dessa vez foi o Marcel quem se manifestou, causando me um certo espanto – o papo está bom.

Assenti.

...

A circulação dos copos sobre a mesa, com exceção do meu, era rápida. As vozes subiram de tom, e seus reflexos tornaram-se um tanto mais lentos. Fiquei receoso.

Vou até o banheiro – falei enquanto me levantava – e depois embora.
Nós também já vamos – falou Marcel.
Já volto – conclui enquanto me encaminhava ao fundo da lanchonete.

Já fazia mais de uma hora que estávamos ali.

...

Os banheiros, masculino e feminino, ficavam no fundo da lanchonete, à esquerda. Uma pequena placa sobre a porta de madeira os diferenciava.
Visto de fora não parecia ter tanto espaço. Logo na entrada, havia uma pia de mármore branco, com duas torneiras. Sobre ela um grande espelho. O piso, num tom pastel, era o mesmo de toda a lanchonete.
Mais adiante um pequeno mictório de alumínio escovado, muito limpo, e dois reservados.
Devido a um pequeno circulador de ar posto na parede, apresentava um cheiro agradável.

...

Estava preste a sair, mãos sendo lavadas, quando a porta se abriu e pelo reflexo do espelho o vi entrar.

- 45 -

Assim que passou pela porta, sorrindo me perguntou:

E ai meninão, aprontando muito?

Devolvendo o sorriso, respondi:

Que nada, estou no maior sossego.

Ele caminhou até a frente do mictório e num gesto apressado abriu o velcro da bermuda e tirou o pau pra fora. Enquanto liberava o excesso de chope, fechou os olhos fechados e entrelaçou as mãos na nuca.

Ahhhhhh, que delícia que é mijar. – gemeu.

Parado por um instante, torneira ainda aberta fiquei a observá-lo. Era impossível vê-lo ali, com os bíceps e o instrumento, que apesar de “adormecido já espantava pelo tamanho, a mostra e não admirá-lo”.

O líquido amarelado, saia num jato forte.

De repente ele abriu os olhos e voltou-se para minha direção. Sem jeito, voltei ligeiro meu olhar para o espelho.

Tava matando as saudades? – perguntou ele, enquanto chacoalhava o pau.

Neguei sem graça, falando que estava pensando.

Pensando nele? – disse enquanto caminhava rumo a pia e apertava o volume na bermuda, agora fechada.

Apesar de já conhecer o “material” fiquei ainda mais sem jeito. Ele então veio atrás de mim e nossos olhos tornaram a se cruzar pelo reflexo do espelho.

Permaneci parado e após me dar uma boa analisada ele aproveitou para chegar mais perto. Senti-me aquecer, poderia entrar alguém ali. Ele então, estendeu as mãos sobre minha bunda e a acariciou rapidamente.

O barulho da água que saia da torneira tornara-se imperceptível.

Ele agora me enconchava, e sua boca estava rente a meu ouvido.

Você está com um puta rabão, hein! – sussurrou.

Adrenalina a mil, coração quase saindo pela boca, senti-me latejar.

Pode entrar alguém - falei enquanto tentava fugir do seu sarro.

Ele não se importou, pelo contrário, passou seus braços por sobre meu peito e me trouxe ainda pra mais perto de si. Também estava excitado.
Enquanto pressionava meu corpo contra o seu, propôs:

O que você acha de curtir mais esse meu brinquedinho, hein?

Pensei que fosse desfalecer ali. Não respondi.

Ele então me liberou, e colocando as mãos sobre a água que ainda escorria, as lavou.

Senti-me atordoado.

Jogou no lixo os papeis toalha que usou. E caminhou rumo a porta. Antes de sair ainda perguntou:

Vamos ou não vamos treinar esse seu rabão?
E seu primo? – devolvi
O que você vai falar pra ele?

Nesse instante um solavanco abriu a porta. Era um dos garçons do lugar. Simpático, nos cumprimentou antes de se fechar no reservado ao fundo.

Binho não respondeu minha pergunta. Deu me um tapa na bunda e disse que estava indo embora. Caminhou porta afora.

Fui atrás.

- 46 -

Do lado de fora, enquanto Binho caminhava rumo a porta, Marcel, de pé na fila do caixa, tirava a carteira do bolso. Dei uma última olhada na direção de Binho, ele havia parado ombro na soleira da porta a esperar, e caminhei na direção oposta, indo ao encontro do Marcel. Tinha que pagar por meu suco.

Depois você me paga – falou ele, de modo decidido, assim que cheguei a seu lado.
Tudo bem – respondi.

A moça a sua frente saiu. Era sua vez.

Já estou indo também – respondeu ele, assim que eu disse que o esperaria junto de seu primo na porta.

...

O ar estava ainda mais gelado, e o choque das temperaturas (meu corpo ainda queimava), fez com que os pêlos de meus braços se levantassem. A pontada de dor na garganta foi um pouco maior agora.

Binho! – chamei-o assim que parei a seu lado.
Fala menino – disse de modo um tanto arrastado, enquanto seus olhos de bicho arisco se voltavam em minha direção.
Sobre o que aconteceu no banheiro... - continuei.
O que tem? – perguntou ele me cortando.
Bem – falei – que desculpas você vai dar a seu primo?
Pra? – perguntou, enquanto erguia as sobrancelhas e fazia um gesto de questionamento com ambas as mãos.
Pra gente poder brincar – disse eu, com ar de sarcasmo, um tanto impaciente.
Nenhuma – respondeu ele, concluindo o papo – Ele vai junto.

...

Enquanto caminhávamos até o carro, um Corsa chumbo parado do outro lado da rua senti vários calafrios circulando por meu corpo. Não saberia dizer, entretanto, se eram de medo, já que eu o estava sentindo – e muito, ou se eram resultado da dor de garganta, que parecia cada vez pior.
O céu estava um tanto avermelhado, com grandes nuvens a circular num tráfico frenético e nenhuma estrela a vista. Era possível sentir um cheiro de umidade no ar. Aroma semelhante ao que se sente quando se joga um balde de água numa calçada poeirenta após vários dias de seca. Um cheiro de chuva.

...

Sentei-me no banco traseiro. Foi Marcel quem educadamente puxou o banco da frente para que eu entrasse.

Binho deu partida no carro, ligou os faróis e também o rádio.
Uma música que eu gostava muito estava terminando:

“It’s no right, but it’s ok...” – dizia a letra. E naquele instante tive de concordar.

Lembrei-me então, do fator que me levara até ali, e também do que estava prestes a acontecer. Lembrei também, o quanto eu gostara de “ficar” com Binho e o quanto ele fora legal comigo.

Mas dois – pensei um tanto assustado. Será que vão me machucar?

Senti medo por estar ali, de não ter ido embora. O estranho, é que junto com o medo, eu era capaz de identificar bem lá dentro de mim, um outro sentimento tomando forma, e me espantava que isso estivesse acontecendo.

Eu estava sentindo Tesão.

...

Vamos dar uma volta pelo centro rapidinho – falou Binho assim que tirou o carro da pequena vaga, que pareceu feita sob medida. – Algum problema? – perguntou, enquanto me olhava pelo espelho retrovisor.
Nenhum – respondi.

Alguns pingos de chuva se chocaram contra os vidros, obrigando nos a fechá-los.

As pessoas, que até poucos momentos atrás circulavam tranqüilas, agora corriam em busca de um abrigo. Dentro do carro formava-se um calor reconfortante, e enquanto eu ouvia as músicas que seguiam tocando e pronunciava uma ou duas frases como respostas às conversas esparsas, senti-me relaxar.

...

Após a “circulada”, que acabara tornando-se um tanto lenta devido ao trânsito que se formara com a chuva, Binho agora tomava o rumo de minha casa.
Senti-me aliviado por estarmos indo naquela direção, um tanto frustrado também, devo admitir.

Era na próxima esquina – falei num sobressalto, assim que ele virou uma esquina antes da rua onde eu morava.
Eu sei – ele respondeu, enquanto seguia reto com o carro.

Me olhando pelo retrovisor perguntou:

Esqueceu da nossa brincadeira?

Senti me gelar.

- 47 -

...

O carro seguiu adiante pela grande avenida, cruzando duas ou três ruas perpendiculares aquela que eu morava. Minha casa agora, já estava um tanto distante.
O pequeno terço preso ao espelho retrovisor, chacoalhava ao balanço do carro e os vidros eram castigados pela chuva que agora caia com toda a força.

Onde estamos indo? - perguntei

Deixando de lado a timidez que mostrara até então, e se virando para me olhar, foi à vez de Marcel responder:

Brincar. Esqueceu?

Binho sorriu, e eu me senti inseguro e estranhamente ainda mais excitado.

Vocês já vão ver – falou Binho, enquanto virava o carro à esquerda.

Mesmo ao fundo, e com certa dificuldade em enxergar a pista, sabia onde estávamos indo: Jardim Silvana.

...

Com ruas sem saídas, amplos terrenos e uma guarita sendo erguida logo no início do bairro, o Jardim Silvana, tinha intenções de ser uma espécie de residencial fechado. Eram poucas as famílias que residiam ali, umas quatro ou cinco, entretanto algumas grandes construções já começavam a tomar forma.

Deduzi que iríamos a uma delas. E não me enganei.

Binho embicou o carro em frente a uma delas, descendo com ele pela rampa que conduziria a futura garagem no piso inferior.

Chegamos – falou, enquanto desligava o motor do carro. Nos entreolhamos.

- 48 -

Carro desligado, mas faróis ainda acesos e Binho foi o primeiro a sair. Caminhando, dirigiu se a uma porta que ficava a esquerda. Sequer tinha reparado nela até então.
Marcel rompeu o silêncio enquanto virava o corpo em minha direção:

Meu primo falou muito bem de você.

A claridade dos faróis contra a parede deixava seu rosto envolto em leve penumbra.

Bem como? – perguntei.

Senti sua mão subir por minha perna e estacionar no meu joelho. Lá fora, uma nova e pequena luminosidade fez se notar por trás da porta antes fechada.

Que você é um camarada legal, e coisas do tipo – continuou. Falou também, que você dá gostoso como ninguém.

Um grande fluxo de sensações começou a se instalar em meu corpo. Excitação, receio, dor. Frio e calor.
Se ajeitando melhor no banco de modo a ficar quase de frente para mim, Marcel estendeu a mão, vindo com ela na direção de meu rosto.

Você realmente me parece gostoso – continuou ele, enquanto seu dedo percorria meus lábios. E que boca boa pra uma chupeta, hein! – concluiu.

Endureci.

Binho agora voltava ao carro. Já havia tirado a camiseta.

Pelo visto já estão começando a se divertir – falou enquanto sentava. – Que achou dele? – perguntou inclinando a cabeça pro lado do passageiro.
Uma delicinha – falou Marcel.
Eu não te disse – continuou Binho – mas você precisa sentir a boquinha dele, pra ver que tesão que ela é.

Admito ter sentido um certo prazer, uma certa satisfação com todo aquele tipo rústico de cortejo. Com toda aquela “lambeção”.

Já demoro pra eu experimentar então – falou Marcel, abrindo a porta e postando se de pé fora do carro.
Vamos – disse Binho, tão logo se levantou e me ergueu o banco, abrindo caminho pra que eu também descesse.
Com certeza – resmunguei agora com a dor realmente me incomodando.

...

A única claridade agora era a que vinha do pequeno cômodo. Todo o resto era escuridão.

Nem bem sai do carro, e Marcel já me puxou pra si, segurando me pela cintura.

Eu to loco pra socar ele em você – falou com a boca rente em meu ouvido enquanto roçava seu corpo no meu.

Senti me arrepiar.

Binho não marcou bobeira, e veio se juntar a nós, ficando de frente para mim.

Eu também to afinzão de um metão – falou enquanto também se esfregava. Seu pau também estava duro como ferro, e o calor de seu peito desnudo e de sua voz próxima me fez transpirar.

Ficamos naquele sarro por alguns instantes. Mãos subiam e desciam. Bocas lambiam, sussurravam. Membros se esfregavam. Era todo um calor humano a nos unir.

Vamos logo então. – falou Marcel se desvinculando. – Vamos que to loco pra meter.

Binho sorriu, e me pegando pela mão me puxou rumo ao quarto.

...

Com exceção do tamanho, o quarto/depósito se assemelhava e muito ao primeiro que eu conhecera. O mesmo cheiro de ar parado, de cimento. A mesma decoração: galões de tintas cobertas com saco plástico preto, pás e demais acessórios.

Havia, no entanto algo de inédito, de inusitado ali.

Sorri assim que a vi, e apesar dos calafrios e do calor que tomavam conta de meu corpo, com freqüência ainda maior, sabia que a noite seria longa e divertida.

- 49 -

...

O forte aguaceiro de horas atrás era apenas uma fria garoa, quando o carro estacionou em frente de casa. Fora Marcel quem me levara.

Obrigado pela carona – falei antes de abrir a porta.

Numa espécie de satisfação ele abriu um grande sorriso e falou:

Obrigado pela noite.

Retribui o sorriso, ou ao menos tentei. Dei a volta pela frente do carro, e corri até o pequeno portão, e antes que eu adentrasse, ele abaixou o vidro de seu lado e falou:

Hora dessas eu te ligo.
Ok! - respondi
Mas se quiser – continuou – pode me ligar também.

Assenti, enquanto ele me piscava os olhos. Com um “jóia” se despediu. Deu partida no carro, e saiu com uma breve cantada de pneus.
Corri casa adentro.
...

Essa é a sua voltinha – ralhou a vulto sentado no pequeno sofá de um lugar.

As luzes todas da casa estavam apagadas, pensei que todos estivessem dormindo.

Encontrei uns amigos – justifiquei.
Espero que não esteja todo molhado – continuou ela com voz que insistia num tom severo.
Não mãe, eu to seco. Todo seco. – falei enquanto me dirigia aos primeiros degraus da escada.

Meu corpo estava pesado.

Vou dormir – conclui, enquanto me arrastava escada acima.
Já está na hora mesmo – falou ela enquanto se levantava. – Agora eu também posso dormir sossegada.
...

Um emaranhado de dores e gostos me acompanhava. Além da garganta, que agora ardia de maneira quase insuportável, eu também sentia dores na região dos rins.
Minhas têmporas e globos oculares latejavam de maneira incômoda.

Tirei toda a roupa, que tinha um cheiro carregado, e vestindo meu pijama me deitei.

Sentia frio.

Tornei a levantar, luz novamente acessa, pus-me a procurar um cobertor.

Cama re-arrumada e deitei-me novamente. Agora de vez. Adormeci.

E foi um sono pesado, agitado, cansativo. Se é que sono pode ser cansativo.

...

Acordei molhado de suor, ouvindo o telefone tocar ao longe. Meus olhos ardiam com a claridade. Mantive-os fechado.

... pra você – falou minha mãe abrindo a porta.

Não entendi ao certo o começo da frase, mas pelo final dela deduzi que ela falasse do telefone.

Quem é? – perguntei com grande dificuldade.

Nesse instante percebi o quanto estava mal. Cheguei a tocar o pescoço, tentando diminuir a dor forte que se instalava ali, toda vez que eu falava ou engolia.

É o Luciano – respondeu ela.

Descrente, fechei novamente os olhos.

- 50 -

...

Devo ter pego no sono novamente, já que ela tornou a me chamar. Estava exausto, e certamente doente.

Você vai falar com ele ou não? – perguntou em seguida.
Ahhh mãe – resmunguei – fala pra ele que eu ainda... estou dormindo. Sentia dificuldades pra falar e também pra engolir.
Mas já passa do meio-dia – retrucou.

Virando devagar a cabeça, ainda pesada, na direção do pequeno criado-mudo à esquerda reparei no pequeno rádio-relógio.
Ela tinha razão. Meio-dia e vinte.

(...)

Num dos cantos do quarto, com um fino lençol azul a cobrir o também fino colchão, havia uma cama. Toda feita numa madeira marrom escuro, fora colocada ali com uma única finalidade: servir de leito para que alguém pudesse vigiar a obra.
Alguns delitos vinham ocorrendo naquela região, talvez por ser isolada demais.
Ora sumiam tijolos, ora instrumentos de trabalho, ora cimento. Já ouvira falar, de casos nos quais os ditos “ladrões” eram os próprios empregados da obra, que visavam alguma espécie de lucro maior.
Binho fora o incumbido daquela noite.

...

Assim que entramos, e ele passou o trinco na porta. “Pra caso apareça alguém” – tornou a dizer.
Atrás da porta, alguns pregos tinham a função de cabide. Já estavam lá algumas peças, talvez dos outros pedreiros. Pude notar que era lá que estava pendurada sua camiseta. E foi pra lá que também foram à bermuda preta e em seu interior uma cueca cinza.
Ele agora estava nu. E excitado.

(...)

Posso mandar ele subir? – insistiu minha mãe.
Subir?! – espantei-me. – Como assim subir?
Oras – resmungou. Você está querendo que eu lhe explique como ele, pé ante pé, subirá as escadas?
Mas... – continuei com certa dificuldade em engolir - ... ele está aqui? – perguntei enquanto ajeitava me com as costas na guarda da cama.

Minha garganta parecia queimar e vez por outra eu apalpava meu pescoço procurando, quem sabe, um meio de diminuir meu sofrimento.

Está meu filho. Ele está – falou ela já de “saco” cheio.

E virando-se, caminhou rumo a porta.

Pensei... – continuei com esforço - ... que ele estivesse no telefone.
Não – falou voltando se novamente para mim. – Foi sua avó quem ligou. Ele chegou alguns minutos antes, e parece estar com pressa.
...

Olá – falou ele assim que apareceu junto à porta.
Olá – respondi com um sorriso sem jeito nos lábios.

- 51 -

(...)
Após me encher a visão com sua bela e firme nudez, Binho caminhou em nossa direção. Começaram então a me despir. Primeiro a camiseta, e eu já sentia o calor do peito de Binho junto ao meu, depois a bermuda seguida pela cueca. Ficamos nos roçando por um longo tempo. Marcel foi o último a se despir. Estava ocupado demais dispensando longos beijos, ora em meu pescoço, ora em minhas costas. E apesar de já tê-lo “sentido”, quando se esfregava atrás de mim, seu “dito-cujo” fora da calça espantava. Aos poucos estávamos ali, os três. Todos nus sobre a pequena cama.
(...)

Como você está? – perguntou. Toda a raiva que se alojara em mim no dia anterior (seria ciúmes?), quando o vi com o Rodrigo, e todo orgulho cristalizado a pouco, fizeram me responder sem grande dificuldade: - Estou ótimo e você?- Que bom – continuou – eu estou bem também. Seu rosto não sofreu nenhuma modificação ao responder, o que me fez sentir uma pontada de tristeza. Me martirizava com diversas perguntas (será que ele não sentia minha falta? será que já me esquecera?) e sentia minha garganta a arder. Novamente eu me sentia... usado. - Estava preocupado com você – falou.- Por quê? – perguntei ainda a observá-lo. Como eu não lhe convidara a sentar, permaneceu todo tempo de pé junto à porta. E estava lindo. Cabelo repartido para direita, calça jeans escura e uma camisa pólo com o logotipo do clube sobre o coração. - A Márcia me disse que me procurou ontem – falou com expressão de preocupação – e eu pensei que algo tivesse te acontecido.- Não, não. Apenas fui te procurar por que sou um idiota – respondi, não agüentando mais as pontadas dentro de mim.- Idiota? – espantou-se. Mas por quê?- Oras – resmunguei. Porque você não fala mais comigo, não retorna meus telefonemas. É assim que me sinto. Um idiota. Ele agora sorria, e aquilo me irritou. Vindo em minha direção, sentou-se na cama. Eu ainda não me levantara. - Você poderá ser qualquer coisa para mim – começou – mas nunca um idiota.- Sei – falei. Estendendo as mãos em busca das minhas disse: Você é e sempre será uma pessoal especial para mim. E eu espero que nunca duvide disso, mesmo quando as condições não o favorecerem. Com certeza falara isso por causa do Rodrigo. Concordei. Mas apenas por fora. Não conseguia me sentir à vontade com tudo aquilo.Me dando um abraço, o qual correspondi meio que friamente, ele se despediu. - Essa semana talvez as coisas se acalmem um pouco, e eu prometo te ligar.- Ok – respondi- Pode esperar. – concluiu. Tive medo, e nem sei ao certo de que.

- 52 -

(...)

Tive febre. Meu corpo parecia moído, pisado. Tanto, que nem consegui ir pra aula na segunda-feira. Nem na terça. Com certa insistência de minha mãe, e devido à ausência de efeitos dos remédios que tomara, fui até o posto médico no final do dia. Fora um exame rápido. Boca aberta, palito de madeira (horrível isso) sobre a língua e uma pequena lanterna a iluminar o início de meu túnel digestivo. Com um pequeno espelho me mostrou a situação. Amídalas enormes, inchadas, vermelhas.Pareciam querer fechar minha garganta. - É amidalite – sentenciou o médico. Sai de lá em menos de dez minutos, com uma bela receita de remédios nas mãos.

(...)

Quarta e Quinta passaram a solavancos. Entupia-me de antibióticos. Queria somente a cama. Era difícil engolir, difícil falar, difícil me relacionar. ... Os únicos dois contatos que fiz aqueles dias foram por telefone. Marcel e Luciano me ligaram. O primeiro pra conversar um pouco, na expectativa de um novo encontro, já que voltaria a casa do primo no final de semana e o segundo pra cumprir a promessa que havia feito. ... Sexta, assim que cheguei em casa, fui pego por uma surpresa. - 53 - ... Sobre a pequena mesa da sala, numa embalagem de plástico transparente, mas com detalhes amarelos, havia uma nova flor. Antes que minha mãe se expressasse, eu já sabia que fora entregue pra mim. Sabia de antemão também, que não haveria nenhum remetente, e que ela com certeza já xeretara no cartão. Ele estava com o envelope quase despregado. - São pra você! – falou ela surgindo da cozinha, avental na cintura e pano molhado nas mãos. A essa altura eu já estava abrindo o cartão. – To vendo – respondi. Ela caminhou apressada em minha direção. - Sabe quem mandou?

– inquiriu.-

Não – respondi “Espero que você esteja melhor”

– dizia o pequeno cartão. O problema agora era saber quem o escrevera. Não conhecia a letra, não tinha assinatura nenhuma, e o pior: várias pessoas sabiam que eu não estava legal. - Eu perguntei pro entregador, quem as haviam mandado – falou minha mãe – mas ele disse que estava fazendo outra entrega quando a compraram. Imaginei mesmo que não seria fácil. ... Minha garganta melhorara a olhos vistos naquele fim de tarde. Tomei uma bela sopa feita por minha mãe, e subi pra meu quarto descansar um pouco. Invariavelmente, o telefone tocou e... era pra mim. -

Será o admirador? – me perguntei, enquanto descia as escadas. – Alô! – falei

- 54 -

- Sim, é ele – respondi tão logo ouvi meu nome, mas sem reconhecer de imediato, a voz do outro lado.
É o Marcel – ele falou.
Olá – continuei com certo entusiasmo – como você está?
Eu estou bem – respondeu.

Ele chegara a pouco na casa de sua tia, e aproveitara para me ligar. Queria me ver.
A conversa não durou mais que cinco minutos, mas foi o suficiente para que eu revisse todos os meus últimos meses.
Tudo começou com o Rodrigo. Um cara que eu curti demais, mas que se importou de menos comigo. Alguém que, mesmo sendo pelo sofrimento, me tirou da monotonia. Com ele vieram uma tal de uma aposta, e dois novos personagens: Breno e Luciano. O primeiro era um cara que já me xavecara em outros tempos. Era talvez o responsável pela aposta. Um cara que a princípio me pareceu mal, mas hoje, após alguns novos contatos, mostrou-se muito diferente.
O segundo, o delator da aposta, era um cara diferente. Alguém que tinha uma ótima cabeça, e que vinha enfrentando com brilhantismo seus preconceitos (ao menos a meu ver). Alguém que vinha mexendo comigo. Mexendo até demais.

...

Queria te ver – continuou ele.
Estou meio mal – falei, tentando me esquivar.
Ahhh – resmungou – tadinho.

Sorri. Era engraçado que um menino bonito como ele, tivesse esses repentes de “carinho”.

Me deixa cuidar de você – falou.

Senti me desarmado, nesse instante. Sem jeito.

Olha. – continuou - Vou arrumar minhas coisas aqui, e assim que possível vou me encontrar com você, o que acha?
Bem... – resmunguei
Meu primo não está aqui – continuou – e eu só voltei pra cá, no intuito de te ver.

No meio de todas as mudanças, existiram ainda um homem casado, um pedreiro e agora seu primo. Fiquei pensativo. Engraçado como nós nos tornamos diferentes após nossa primeira experiência sexual. Sentia-a me mais afoito e ao mesmo tempo mais perdido. Mais malicioso também. Passei a notar também que certas pessoas têm uma facilidade maior para entrar e mudar nossas vidas, no meu caso o Rodrigo. Outras, entretanto, parecem sempre se esforçar, mas sempre acabam morrendo na praia.

E primo estava de volta. Querendo me ver. Me dar carinho. E eu, como bom idiota, não conseguia me entregar a isso.

Oiiiiiiii – resmungou do outro lado.
Oi! Desculpa. – respondi.
Posso ou não? – continuou.

(...)

Espreguicei. Aos poucos as energias voltavam para meu corpo. De olhos ainda fechados sorri. Fora um beijo bom.

- 55 -

Levantei-me. Estava me sentindo um tanto animado. Caminhei até o rádio que ficava em frente a minha cama e liguei-o, procurando por alguma boa estação. Não queria mais os clássicos, nem MPB. Naquela manhã, com o bom humor voltando a me visitar, eu queria algo mais alegre, mais agitado. Algo que me trouxesse de volta a noite anterior.

“A maioria das músicas que você irá ouvir nas rádios ou nas outras boates são ouvidas primeiro nas boates GLS. Isso, em sua maioria, com um atraso de sete ou oito meses” – lembrei-me do comentário do Fábio.

- Não importa – resmunguei em voz alta.

E o dial deixou de girar, tão logo uma boa batida se fez ouvir. Ergui o volume e ensaiando alguns passos abri as cortinas, para que o sol entrasse, e as janelas, para que o som saísse.

Sentia-me feliz.

(...)

- Bem... você pode vir então – respondi.
- Que bom – falou. Vou me apressar aqui.
- Mas olha – avisei – eu não sairei de casa.

Achei melhor já deixa-lo avisado, já que minha mãe com certeza me mataria se o fizesse.

- Sem problemas – concluiu ele.

...

Passaram-se cerca de quarenta minutos, desde o instante em que voltei o fone ao gancho, quando a campainha soou. Era ele.

Apresentações feitas, e subimos rumo a meu quarto. Pra todos os efeitos, ele era um amigo novo da escola. Novo em pleno final de outubro.

...

- Calma – falei enquanto me desvencilhava dele.

Nem bem fechei a porta atrás de nós e ele já se atracou em mim.

- Eu não agüentava mais – falou – ficar perto de você e não te tocar.

Olhando-o ali, parado em minha frente, senti-me ensandecido. “Que loucura trazer esse menino pra dentro de casa” – pensei.

- Veja só como você me deixa – continuou ele, enquanto mostrava o volume que se formava em sua calça.

Espantei-me. A noite estava apenas começando, e pelo jeito seria longa... e quente.

- 56 -

(...)

Com a porta fechada atrás de mim, parei em frente ao espelho. Estava apenas de cueca. Comecei, tentando uma certa sensualidade que desconhecia até então, a fazer caras e bocas. Dava algumas reboladas, sempre que o som do rádio se fazia ouvir (erguera-o ainda mais antes de ir para o banho).

- Daqui a pouco eu te ligo – disse para meu reflexo.

O contato com a água morna, que vinha num jato forte, me revigorou ainda mais.

(...)

Seu sorriso agora era algo sacana, desaforado. Tornou a caminhar em minha direção, braços estendidos.

- Marcel! – falei um tanto sério. Já te pedi calma.

Ele pareceu perceber uma certa insatisfação que ia a meu rosto, e resmungou cabisbaixo:

- Desculpa.
- Tudo bem – falei

Sentei-me na ponta da cama. Ele fez o mesmo.

- Durante toda a semana – continuou ele – não consegui deixar de pensar no que aconteceu.

Com ar um tanto malicioso, que passara a se tornar freqüente em minha personalidade, perguntei:

- O que foi não gostou?
- Se não tivesse gostado – respondeu com ar contrariado – eu não teria voltado tão rápido para cá. Acontece que eu quero mais. Cheguei a sonhar com esse momento.
- Ah! – resmunguei fazendo me de espantado.
- Só que desta vez – continuou – quero tudo sozinho.

Meus lábios se entreabriram num sorriso, enquanto certas lembranças voltavam em minha mente.

(...)

Estávamos os três deitados na pequena cama. Binho na frente, eu no meio e Marcel atrás, num típico “sanduíche de gente”. Sentia-os duros, viris.

- É viadinho gostoso – falou Binho ao meu ouvido, numa mescla de sussurro e gemido – hoje você vai sentir dois machos.

Com aromas fortes, toques ligeiros, esses numa espécie de carinho embrutecido, gemidos e sabores preenchendo todo o ambiente, senti-me ausente de meu corpo. Disperso.

- Será? – gemi de volta em seu ouvido. Será que eles dão conta de mim?

Pegando em minha mão e pousando-a sobre seu pênis latejante, Binho falou:

- Aproveita pra tocá-lo agora. Depois, quando senti-lo todo dentro de você, ai me responde se vamos ou não dar conta.

Rimos olhos nos olhos.

Marcel pareceu nem perceber nossa “discussão”. Preferiu manter-se concentrado nos beijos, nas enconchadas.

- 57 -

Aos poucos nos vimos mais soltos. Nossos corpos pareceram se entrosar melhor.

Virei-me de costas para Binho, e senti suas mãos ásperas percorrerem o lado de meu corpo, causando-me uma série de arrepios. Colocou seu pau, ainda mais duro, entre minhas pernas, e com fortes fricções, começou uma espécie de masturbação sem as mãos.

Marcel, agora de frente, passou a se insinuar mais.

Seus olhos, um tanto distantes, eram tão profundos e desejosos quanto os de Binho.
Devagar, ele encostou seus lábios nos meus e pude sentir a ponta de sua língua a roçá-los. Achei um tanto inusitado, já que a filosofia de Binho, seu primo, era nunca beijar na boca, mas não perdi a deixa. Abrindo minha boca, procurei sorver o pouco que me oferecia. E sua língua, passeou rapidamente por ela.

A temperatura subia. Binho, entre beijos e lambidas, percorreu minhas costas com a boca. Gemi.

Um longo dedo foi posto em minha boca.

- Chupa – sussurrou Marcel.
...

Aos poucos me vi de quatro, com Binho me lambendo as nádegas, enquanto Marcel substituíra seu longo dedo, por um outro. Agora mais grosso.

A orgia começara.

- 58 -

Marcel se ajeitara. Colocou as costas no encosto da cama e as pernas, cada qual de um lado. Sem dúvida, era demais aquela visão.

- Quero que você chupe com vontade. Quero fuder e gozar na tua boca – falou

Não me fazendo de rogado, passei a mamar, lamber e babar naquela vara possante e viril. E Marcel, pareceu-me de uma experiência fenomenal. Gemia alto e dizia coisas sacanas. Tinha grande prazer em ser tocado na barriga, e eu procurava faze-lo enquanto chupava.

Binho se posicionara em pé na borda da cama, e com as mãos a abrir minha bunda, começou a me lamber. Primeiro de cima para baixo, depois parou no buraquinho e começou a introduzir a sua língua, que era bem grossa e quente. Tirava e punha bem devagar.

Parei de chupar o pau de Marcel e abaixei a cabeça, queria me concentrar todo naquela maravilhosa sensação.

Meu pau já estourava de duro.

- Vai lá Binho – falou Marcel em voz alta, mostrando ser o mais sacana – enterra a língua nesse rabo gostoso.

Binho, seguindo a risca o que foi dito, enfiou a cara em minha bunda, colocando a língua ainda mais para dentro, mexendo-a como uma furadeira.

Gemi. Gemi com o pau de Marcel no fundo de minha boca. Meu corpo febril e minha garganta dolorida pareciam amortecidos.

- Isso mesmo – bradou Marcel – agora ele já ta preparadinho.

Binho, sem demora, me deu um tapão na bunda ainda escancarada. Começou em seguida a enfiar um dedo em mim. Depois dois três.

Contorci-me. Sentia agora, com maior freqüência, algumas pontadas entre meu ânus e meu saco. Minha boca doía, com os puxões que Marcel dava, para que eu o engolisse mais. Meu corpo começava a ficar pesado.

Senti então, os jatos de porra saírem de meu pau como se ele fosse uma torneira aberta. Mal tocara nele. O líquido percorria os canais de meu pau e saia sem nenhum atrito, nem as contrações eu sentia. Só sentia o líquido jorrando, mais do que qualquer vez anterior.

- E viadinho – gritou Binho – não agüentou é. Parece que não está dando conta.

Não tive forças para responder.

Binho, ainda de pé, alisava seu pau, extremamente duro. Marcel levantando-se caminhou rumo as roupas abandonadas no chão. Quando voltou, trazia consigo algumas camisinhas.

Por um instante, pus-me a olhá-los. Ali estávamos nós, eu largado sobre a cama, e em pé olhando para mim, dois belos exemplares de macho.

Os dois se olharam e riram.

- Não disse que o viadinho era bom – falou Binho.

Marcel assentiu.

Então espera – falou – que vem coisa muito melhor ainda.

- 59 -

(...)

Nosso papo começou a se entrosar. A fluir vagarosamente. Era a primeira vez que realmente conversávamos. Ele parecia estar conseguindo se controlar. Eu também me esforçava, mas as lembranças que vinham com ele, ainda me excitavam.

(...)

Parando de se punhetar, Binho veio em minha direção.

- Vamos ajeitar ele – falou enquanto me fazia deitar na cama, com ambas as pernas fora dela.

Erguendo-as, de maneira com que minha bunda voltasse a ficar a mostra, pôs-se de joelhos. Mais uma vez separou minhas nádegas e me explorou com a boca.
A certa altura deu-me uma bela cusparada, e com os dedos (dois), pois se a me lubrificar com a saliva que escorria.

- Prontinho – falou, pra meu espanto, enquanto se levantava e deixava minhas pernas caírem. – Ele é todinho seu – concluiu olhando para Marcel.

Com um leve sorriso esboçado no rosto, Marcel caminhou em direção a cama. Com o pé, empurrou a roupa que se espalhava pelo chão, de modo a servir-lhe de apoio para os joelhos.
Vestiu a camisinha devagar, e pareceu sentir certa dificuldade em acomodar tudo aquilo dentro dela. Deu mais uma punhetada, quem sabe para endurecer mais seu membro.
Senti-me arrepiar, pois levar o caralho daquele cavalo logo de primeira ia ser foda.

...

Uma vez ajoelhado Marcel tornou a erguer minhas pernas, colocando-as sobre seus ombros.

Com a mão direita, direcionou seu big brinquedinho na entrada de meu rabo, e começou a pincelá-lo ali. E apesar do medo que eu sentia, passei a desejar tudo aquilo dentro de mim. Certo do estrago que faria, ele então falou:

- Vai batendo uma pra ele Binho, que ai a dor diminui.

Binho sentou-se ao meu lado na cama e pegou no meu pau ainda mole e melado de porra, e começou a esfregar só a cabeça.

Aquele dedão passando lá dava uma sensação estranha por todo o interior do meu pau, que refletia lá atrás. Senti a cabeça do pau do Marcel encostar.

- Agora – falou ele com ar de experiência – faz força pra fora, como se fosse no banheiro.

Comecei a fazer o que ele mandou, e o pau dele foi escorregando pra dentro. A sensação era estranha. Não senti muita dor, mas minha respiração acelerava, e parecia que os músculos da minha barriga contraiam. Aos poucos, meu pau voltava a dar sinais de vida.
Binho agora levara minha mão até o seu pau, e mesmo numa posição desfavorável, comecei a punhetá-lo. Algumas gotas “lubrificantes” já se soltavam melecando meus dedos.

Firmando suas mãos em minhas coxas, Marcel me puxou pra junto de si, num só golpe, colocando pra dentro o resto de seu pau. Gemi alto.

Ele então ficou um tempo parado.
- 60 -

(...)

Ficamos assim, falando de assuntos diversos. Cidade, comida, baladas, família, amigos...

- Faz tempo que você curte? – perguntou Marcel.

Lembro de ele ter me perguntado algo do tipo. Ainda estava distante.

(...)

Seus pêlos me roçaram, tão logo ele começou a se movimentar. Eram movimentos pequenos e circulares, como pequenas reboladas.

- Se tiver doendo, fica piscando o rabo que melhora – disse.

Na verdade, apesar de parecer estranho, não doía muito, mais incomodava. No entanto, aquilo estava me deixando cada vez mais extasiado.

- Peraí que vou te dar outro estímulo – falou Binho, largando meu pau.

Aquele moreno musculoso então subiu por cima da cama e abriu as pernas sobre meu corpo. Era uma visão maravilhosa, eu diria. Coxas grossas, pau duro e barriga sarada. Tudo num único homem, e o melhor, ali em cima de mim. Aos poucos ele se abaixou, joelhos flexionados ao lado de meus braços, e bunda sobre meu peito. Seu belo instrumento agora estava rente a meu queixo. Podia sentir o forte aroma de sexo que ele exalava.

Marcel começou a fazer breves movimentos, pra frente e pra trás, e a cada vez que entrava, minha respiração acelerava, como se eu tivesse levando socos na barriga.
Binho, por sua vez, segurando minha cabeça com a mão esquerda, levantou-a. Com a direita, segurou seu pau e o conduziu a minha boca.

- Mama nele, mama – pediu quase num sussurro, enquanto me enfiava a trolha boca adentro.

Foi então que a foda começou. Um na boca e o outro no rabo.

(...)

Pousando a mão sobre minhas pernas, Marcel me despertou dos devaneios. Eu estava novamente excitado.

- Você diz... caras? – devolvi com outra pergunta.
- Sim, claro – falou.
- Bom... minha primeira transa foi há algum tempo atrás – continuei – mas prefiro não me lembrar dela.
- Ahhh – resmungou. Me desculpe.
- Não tem de quê – falei. E para de me pedir desculpas, já é a segunda vez hoje.

Ele sorriu. E era um sorriso tão bonito, tão espontâneo, que perdi o senso e tasquei-lhe um beijo.

(...)

Por vezes gemi de dor, mas com o pau de Binho dentro de minha boca, e seu peso sobre meu corpo, senti me impedido de qualquer reclamação.

O vai-e-vem de ambos ficou mais acelerado e nosso suor já era um único suor. Trocamos de posição algumas vezes.

A certa altura, entre a cacofonia de gemidos e de palavras sacanas, Marcel disse:

- Olha que coisa mais linda, o rabinho dele fazendo beicinho pra mim.

Ambos riram. Eu me excitei ainda mais.

...

Meu pau, que agora vinha sendo punhetado por Marcel, minhas bolas e meus canais, tudo começou a doer. Então pedi, em voz alta, quase num berro:

- Soca mais, soca mais que eu to gozando.

Senti então uma forte contração e a porra começou a sair. Agora, entretanto, ela parecia uma navalha saindo. Comecei a gritar e a me movimentar para ver se diminuía a dor, mas não adiantava. Cada jato fazia doer tudo.
Ouvi então, os gritos de Marcel atrás de mim. Ele havia gozado também. Eu podia sentir as contrações de seu pau dentro de mim, e o calor da porra a encher a camisinha.

Dei graças a Deus por ele ter gozado. Não existe sensação mais incômoda do que ter alguém alojado em você após ter gozado. Parece que todo o prazer e satisfação se esvai com a porra.

Tombou então sobre mim, deixando seu pau escapar voluntariamente.

Meu cansaço era enorme, mortal. Fechei os olhos. Tinha uma vontade instantânea de dormir, uma moleza a percorrer todo o corpo.

- Hei – resmungou Binho – não vai morrer não, porque eu ainda não gozei.

Levantando-se, Marcel tomou-me pelas mãos e me fez sentar. Sabia qual era sua intenção, e Binho também.

Caminhando por cima da cama, parou em minha frente. Acelerando os movimentos de sua mão em seu pau, a certa altura anunciou:

- Lá vai porra!

E jatos fortes atingiram meu rosto em cheio, lambuzando me todo.
Língua de fora, e dei uma pequena lambida, só por curiosidade, no fio de porra que me escorria pelo canto da boca. Tinha um gosto amargo.

- 61 -

(...)

Era pra ser apenas um selinho, mas no instante seguinte já havia se tornado mais quente, mais forte. Aos poucos estávamos os dois deitados. Boca na boca. Eu por cima dele. Senti sua excitação.

- Chega! – disse eu enquanto me levantava. É melhor pararmos.

Marcel então se sentou na cama e perguntou:

- Mas parar porque, se tanto eu quanto você estamos curtindo?
- Marcel – disse sentando-me a seu lado, lutando para esconder minha excitação, que com certeza ele já havia sentido instantes atrás. - Não está certo eu fazer isso com você.
- Isso o quê? – perguntou-me ele, espantado.
- Ahhh – resmunguei, sem saber ao certo o que dizer. - Não quero que se machuque.

Ele levantou-se num salto.

- Só se a calça me machucar – disse rindo e demarcando com as mãos o volume que se formara sobre o jeans. – Escuta – continuou – nós estamos apenas curtindo.
- Sim – respondi – eu sei, e você veio de longe com a intenção de me ver. Não sei o que está pensando.
- Não se preocupe – falou. – Deixe meus pensamentos para mim. Apenas curta comigo.

Fiquei alguns instantes mudo.

- Algum problema? – perguntou ele.
- Não – respondi
- Ótimo – concluiu.

Meus olhos se baixaram. Olhava agora para o torso de suas mãos a trabalhar. Primeiro o botão, depois o zíper e a cueca branca surgiu. Seguiu se então, o surgimento de fartos e negros pêlos, e no meio deles, arrogante, seu bem definido membro.

(...)

O domingo passou devagar. Rastejando. Nenhuma ligação, nenhum contato. Sequer sai de casa, aproveitei o dia para me recompor, descansar.
A semana prometia ser longa, com professores correndo com a matéria, pra semana final de provas.

(...)

No meio te toda correria e de tamanha revolução pela qual minha vida vinha passando, perdi alguns trechos da investigação sobre a morte do empresário.

“Provável existência de amante, reacende investigações” – dizia uma pequena nota ao lado esquerdo. Com o tempo, o caso desapareceria dos jornais.

Corri rapidamente os olhos pelo texto, estava atrasado pela aula.

“Aos 45 dias de investigação, polícia não desconsidera a possível existência de amante no caso do empresário. “As poucas pistas existentes, nos levaram a considerar a hipótese” – afirmou um dos responsáveis pela investigação”.

- Gente louca – resmunguei, enquanto devolvia o jornal a sua pilha.

Não valia a pena gastar dinheiro com nota tão pequena. Notei que meus prazeres haviam se tornado outros.

Sai apressado da banca, e apertei o passo na direção da escola.

(...)

A luxuria vinha me dominando. Sabia que estava perdendo o controle.

Fechei os olhos e senti seu calor, ao se aproximar de meus lábios. Ele começou então, a desenhar o contorno de meus lábios com o pênis. Aos poucos, minha língua despontou, roçando-lhe a glande. Marcel gemeu.

Abri minha boca, e aos poucos ele deslizou para dentro. Ajustei meus lábios ao seu redor, e quando estava preste a começar meu prazeroso trabalho, algo inesperado aconteceu.

- 62 -


A maçaneta fez um pequeno ruído antes de dar uma leve decaída. Havia alguém prestes a entrar.
Vi me sem ação. Olhos arregalados, pênis na boca.

Levantei-me correndo, chegando a raspar os dentes em Marcel, que gemendo também procurou se ajeitar.

- Com licença – disse, tão logo abriu a porta.

(...)

Cheguei a escola esbaforido. E estava a meio caminho do pátio, quando ouvi meu nome ser pronunciado.

Parei um instante, e voltei me em sua direção. Senti o suor escorrer em minha fronte.

- Como você está? – perguntou assim que se aproximou.
- Estou melhor, obrigado. – respondi agradecido.

(...)

Toalha enrolada na cintura sai do banho. Tão logo abri a porta e me deparei com minha mãe, de pé junto à porta do meu quarto.

- Acordou feliz? – não demorou a perguntar.
- Um pouco – respondi.
- Um belo pouco, diga-se de passagem – falou irônica. Onde foi ontem? – perguntou.

Vi-me novamente acuado e temeroso. Mesmo tendo ótimas desculpas para oferecer, seu olhar me amedrontava. E verdade seja dita: as mães, que são capazes de perceber mínimas variações nas nossas nuances de nosso humor, com certeza iria notar ali alguma mudança. Eu exagerara.

Realmente eu vinha abusando da sorte nos últimos dias. Começara com saídas mais freqüentes, chegadas cada vez mais tarde e o surgimento de novos amigos de escola em casa. Sem falar do fato ocorrido na semana anterior.
Normal que ela quisesse saber o que se passava. Mesmo que eu achasse, que certas coisas não dizem respeito a ninguém (com quem se deita, por exemplo), eu ainda era dependente deles. E lhes devia certas explicações.

- Fui pr’uma boate. – respondi
- Boate? – perguntou me incrédula.
- É mãe, boate – continuei. É assim que o povo de lá chamam as discotecas.
- Ah – resmungou

...

A conversa fora curta. Durou apenas o tempo, de eu chegar até a cômoda e tirar de lá uma cueca.

- Vou me trocar agora – falei

Ela assentiu, e saindo do quarto puxou a porta atrás de si. Vi-me um tanto inseguro com a situação. Como eu deveria agir?

...

Disquei os números rapidamente, num único impulso, como se a demora em digitá-los fosse uma grande perda de tempo.

Foi ele quem atendeu.

- 63 -

(...)

Surgindo detrás da porta, com um pequeno prato nas mãos, minha mãe adentrou ao quarto.

- Vim trazer pra vocês – falou simpática - uns bolinhos que acabei de fritar.

A sua frente: eu e o Marcel. Ele de pé junto à cama, rosto corado - talvez de vergonha. Eu do outro lado, coração a sair pela boca, tomei a dianteira:

- Ah mãe, não precisava se incomodar.
- Que é isso menino? – perguntou rindo. – Olha a visita ai.

Marcel sorriu um sorriso sem graça, de quem tem culpa no cartório. Olhando pra ele, reparei que procurava esconder a frente da calça com as mãos. “Será que depois do susto ele ainda está excitado?” – perguntei-me curioso.

- Obrigado – falei pra ela, tomando o prato de suas mãos.
- Se quiserem mais – falou enquanto se retirava – é só descer.

Tão logo ela fechou a porta, nos olhamos aliviados.

- Acho que ela não percebeu nada, não é? – perguntou Marcel.
- Acho que não – respondi.
- Que bom.

Uma certa malicia me percorreu o corpo, e resolvi fazer uso dela. Coloquei o prato sobre o pequeno criado mudo, e enquanto ele me olhava, caminhei em sua direção.

- O que acontece aqui? – perguntei com sorriso no rosto, enquanto pousava a mão sobre o jeans.

Sorrindo, falou que estava cobrindo o zíper, que não tivera tempo de fechar.

- Que pena! – falei. - Achei que meu brinquedinho ainda estava montado.
- Não mais. – falou rindo, mãos a cercar-me pela cintura. – Mas se faz tanta questão eu o monto rapidinho.

Rimos, e uma vez abraçados, trocamos um novo beijo.

(...)

- Bom – falou enquanto caminhávamos após uma breve conversa – a gente se fala no intervalo.
- Ok – respondi.
- Quero lhe fazer um convite – conclui sorrindo, enquanto encaminhava-se para a grade escada.
- Que convite? – perguntei parado
- Depois eu te falo – disse enquanto subia escada acima.

Odiava a espera. Minha curiosidade era mortal.

(...)

Ficamos deitados a nos beijar por algum tempo. Uma frase solta de Marcel, entretanto me deixou ressabiado. “Eu te amo” – disse. Espantei-me, pois eu queria apenas curtir. Beijar, roçar, talvez uma felação. Uma transa futura quem sabe. Não amor. Não agora.

- Pára – falei virando-lhe o rosto a certa altura. Tirei também sua mão de dentro de minha calça.
- Por quê? – perguntou ele enquanto tentava novo avanço.
- Por que sim – respondi.

Agora, me esquivando de corpo todo, tornei-me a sentar. Ele pareceu-me atordoado.
Conversamos por mais alguns poucos minutos. Tentei convencê-lo a me entender, mas não sei ao certo o resultado. Ele pareceu-me algo chateado quando saiu de casa.

- É melhor assim – falei a mim mesmo. Eu espero.

- 64 -

(...)

O sinal para o intervalo soou e apressei-me rumo ao pátio. Não sabia ao certo o porquê de tamanha curiosidade.
Breno estava no lugar de sempre - terceiro banco a direita na lanchonete – e não demorou para que ele notasse minha presença.

- Tudo isso é curiosidade? – perguntou-me com ligeiro sorriso nos lábios.

Fiz cara de contrariado, não gostava de parecer tão obvio.

- Me fale – encurtei a conversa – que convite quer me fazer?
- Ok – respondeu

...

- Mas hoje já é quarta – falei. Ele tornou a rir.
- Precisava ter te avisado antes? – perguntou enquanto prestava atenção a minha reação.
- Na... não – gaguejei. – É que vai ser foda convencer minha mãe.
- Bem – retomou sério – se não puder ir, tudo bem. Fica pr’uma próxima.
- Não – disse eu com convicção. – Eu consigo.

Sorrindo ele conclui a conversa:

- É assim que se fala.

O sinal confirmou que a conversa havia terminado. Ao menos ali. Com certeza nos falaríamos muito mais até o sábado. Eu tinha que dar mais este passo em sua direção.

...

Não sei bem ao certo que bons ventos sopravam, mas a dificuldade que eu imaginei existir em convencer minha mãe foi menor do que eu esperava. Bem menor.
Verdade que lhe escondi certos detalhes, tipo: o fato de eu sequer conhecer o rapaz que iria dirigir o carro. O importante era o fato em si. E eu conseguira.

- 65 -

(...)

- Tenho novidades – falei, com o sorriso quase na orelha.

Cheguei cedo a escola e ele me esperava junto ao portão.

- Ela deixou, não é? – perguntou ele, notando minha alegria.
- Aham! – resmunguei, enquanto confirmava com a cabeça.
- Beleza – falou.

Para meu espanto, ele abriu um largo sorriso, e vindo em minha direção me deu um abraço. Ele nunca me tocara antes. Senti-me petrificar.

- No intervalo eu te explico melhor tudo – disse enquanto ainda me cercava com os braços.
- Ok – disse certo de que não adiantava reclamar.

Continuamos caminhando lado-a-lado, até chegarmos novamente ao pé da escada. Ele então me sorriu e deu breve piscadela, vindo em seguida desaparecer escada acima.
Segui rumo a minha classe.

- Lá se vão horas novamente – pensei – até que eu saiba dos detalhes.

Mas não me senti agoniar. Estava feliz. Meu objetivo agora parecia começar a se idealizar.

...

Espantei-me quando o vi parado de pé junto à porta de minha classe. Fora Carla, quem me avisara de sua presença:

- Hei – falou – tem um cara te chamando.

Carla era uma menina, eu diria exótica. Cheia de piercings (quatro apenas no rosto), duas tatuagens (uma na nuca e outra no pulso esquerdo), maquiagem carregada, vivia vestida de preto. Naquele dia em especial, usava uma longa saia a encobrir seus coturnos e uma camiseta com uma grande imagem do Marilyn Manson nas costas. Gostava dela.

- Obrigado – disse enquanto me levantava. – Vou ao banheiro – anunciei a professora.

Sai da classe, um tanto espantado. O que ele estava fazendo ali?

- O que houve? – perguntei
- Podemos ir até a quadra? – devolveu-me outra pergunta.
- Claro – falei. Agora um tanto apreensivo.

O silêncio imperou enquanto caminhávamos e todas as minhas tentativas de adiantar o assunto foram suprimidas.

- Enfim a quadra – finalmente falou.

Senti como se caminhássemos há horas. Um sorriso um tanto misterioso lhe clareou o rosto, fechado até então. Estava novamente ansioso e um arrepio tomou meu corpo. Nem bem entrei, e fui novamente assaltado por velhas lembranças.

- 66 -

...

...o sol iluminava meu rosto quando a grande sombra que seu corpo projetava me cobriu...

Lembro-me bem do espanto pelo qual passei naquele momento.

Sentei-me vagarosamente no chão de cimento batido, como se tivesse medo de que as memórias (mesmo más) me fugissem. Breno ajeitou-se numa pequena mureta à frente.

- Não disse que lhe contaria os detalhes da balada – falou sorrindo.
- Ahhhh ta – resmunguei.
- Te assustei? – perguntou.
- Um pouco, admito. Cheguei a pensar que não fossemos mais. – falei
- Vira essa boca pra lá – falou agitado.

Meu sorriso tornara-se cínico. Não sabia se a idéia de estar ali estava me sendo boa. Sentia-me novamente envolto por uma grande sombra. Entristeci. - Como um carinha tão gente legal como ele era capaz de fazer aquela aposta? – perguntei-me.

- Vai ser a terceira vez que vamos lá – falou.

Partes da conversa me fugiam. Ouvira algo sobre boate, sobre gays, sobre ele mesmo, mas não saberia diferenciar cada um dos itens.
Concentrei-me na conversa, olhando o fixamente. Tinha um belo rosto, com olhos bem desenhados, lábios salientes e os pequenos pêlos da barba insistindo em crescer.

- Entendeu? – perguntou ele enquanto num pulo descia da mureta.
- Sim - resmunguei
- Então nada de espanto hein – falou
- Pode deixar – conclui.

Caminhamos novamente pelo pátio, agora cheio de alunos. Rumamos a lanchonete. Ele tornou a sentar-se, mas resolvi que não ficaria ali. Tinha muito em que pensar.

(...)

- Já se sentiu tão desorientado entre a felicidade superficial e o amargor profundo, que não sabe como agir? – perguntei pra ela.
- Bem, acho que eu entendo bem o que é ser desorientada – falou ela.

Rimos e ela me pareceu uma pessoa maravilhosa, escondida sob grande camada de maquiagem e “enfeites”.
A verdade é que nem sei ao certo porque a peguei pra Cristo, mas estava achando demais minha escolha.

- Olha – continuou – às vezes me sinto uma ninguém. Sem amigos, sem namorados, sem nada. Talvez esteja me faltando encontrar minha turma, meu espaço.

Concordei.

- Se achar seu meio – continuou – não perde tempo com bobeiras, com medo; corre atrás dele. Uma vez dentro, você acerta suas divergências.

Ela tinha razão. Era hora de eu realmente investir no que me propusera há tempos atrás. Era hora da colheita.

- 67 -

(...)

Nova amizade afirmada, velhos planos retomados. Era hora de colocá-los em prática. Pra tanto eu deveria usar de uma sutileza nunca antes vista. E com tudo vindo tão fácil pra mim, eu seria um idiota se não aproveitasse.

Falamo-nos ainda mais um pouco. Ela tinha que correr para uma outra aula - na hora do almoço? perguntei-me estranhando. Parecia-me realmente uma garota esforçada

Dúbios sentimentos passaram a me invadir, deixando me confuso. E em todas as vezes que minhas idéias me pareceram loucura, lembrava-me das sábias palavras de Carla:

- Pense – começou ela. Você não vai fazer nenhum mal profundo a essas pessoas, vai? Apenas judiar, brincar com seus sentimentos, não é? – perguntou como se tudo aquilo fosse realmente a coisa mais normal do mundo.
- Sim – respondi não tão convicto.
- Então – continuou – sempre que se sentir indeciso quanto a isso, deve se lembrar de como foi ruim pra você também. Deve se lembrar que essas pessoas sequer pensaram em você quando planejaram algo desse tipo.

“É isso ai” – pensei. Já está decidido. Começo com o Breno, que está me vindo fácil depois parto pra cima do Rodrigo. Manteria apenas aquela idéia em minha mente, nenhuma outra.

(...)

- Boa tarde! – falou ele com voz manhosa, do outro lado da linha. – Já acordou?
- Já sim, mocinho bonito – disse enquanto olhava a meu redor. Nenhum sinal de intrusos. Minha mãe tinha pego o hábito de circular nas imediações do telefone, sempre que eu pegava nele.
- Humm – resmungou ele do outro lado, num espreguiçar gostoso. – Eu ainda to aqui, deitadinho, moído.

Sorri. Não sabia ao certo o que lhe dizer. No fundo, eu tinha gostado do seu beijo, e sem dúvidas eu iria querer mais.

(...)

A sexta-feira passou voando. Cheguei atrasado na escola, portanto só o encontrei no intervalo. Ouve apenas um ou outro acerto nos planos. Estava chegando a grande hora. De meus planos se engrenarem, e de eu finalmente conhecer um mundo, que há tempos vinha evitando acreditar de que fazia parte.

- 68 -

...

Com a chegada da noite, um pouco mais fria, senti alguns “arranhões” em minha garganta. Temi. Não podia ter uma recaída agora. Achei melhor me resguardar.

...

Logo pela manhã, roupa posta após um banho ligeiro, e parti rumo ao centro da cidade. Queria aproveitar a manhã de sol radiante, para entrar em algumas lojas. Precisava comprar alguma peça nova. Uma calça, uma camiseta, uma cueca que fosse, precisava disso. Pura superstição admito. O importante era que ir pra balada com alguma peça nova, mesmo não visível.

...

O chamado centro tratava-se de uma longa avenida em forma de ladeira, com ruas adjacentes. Lojas e bancos dividiam o espaço com restaurantes e relojoarias. O movimento aos sábados era intenso com pessoas circulando a deriva. Os retrovisores dos carros enfileirados e dos outros a circular, serviam de obstáculos para as motocicletas, que passavam voando pelo pequeno vão restante de rua.
Entrei enfim em uma loja. A minha primeira.

(...)

- Quer almoçar comigo? – perguntou ele sem titubear, aproveitando minha mudez.
- Mas o almoço aqui já está pronto – falei. – Minha mãe me mata se eu sair agora.
- Humm – suspirou entristecido do outro lado – que pena!
- A menos que... – pensei alto.
- Que? – perguntou ele.
- Que você venha almoçar aqui. – disse rapidamente, sem pensar muito em meu feito.
- Mas, não há problema? – perguntou ele.
- Nenhum – disse não tão convicto. – A não ser que não goste de comida caseira – conclui.
- Eu adoro – falou um tanto alegre.
- Então, se apresse – conclui.
- Estarei ai em dez minutos – disse ligeiro. – Um beijo.

Nem consegui responder, e ele já havia desligado. Teria agora que contar com a sorte novamente pra convencer minha mãe (informar na verdade), de sua presença. Ela odiava ser pega de “calças curtas”.

(...)

Já era a quarta loja em que entrara e nada havia me atraído. Estava ficando desanimado já.

...

Com duas camisetas em mãos, sai do provador. Pra meu espanto, fiquei frente a frente com ele.

Você por aqui? – perguntou.

- 69 -

- André! – exclamei surpreso.

Com pequeno sorriso nos lábios, sorriso de satisfação caminhou em minha direção. Demo-nos as mãos, em forte comprimento.

- É uma satisfação revê-lo – falou.

Assenti. Realmente era bom reencontra-lo. Um mês se passara desde nosso primeiro contato, e eu ainda não sabia ao certo qual era sua importância em minha vida. Talvez nenhuma, pensei quiçá apenas tesão. Tesão este que ele continuava a despertar em mim.

- Você sumiu – emendou ele – o que aconteceu?
- Andei tendo dias ocupados – respondi.

Ele deteve-se em prestar atenção ao que eu dizia no mais completo silêncio. Sem observações ou sarcasmos, apenas a observar. Seu olhar, também ausente de malicia, conseguia me fazer suar.
Estava com a barba por fazer, camiseta branca e bermuda cargo caqui. Nos pés confortáveis chinelas.
Minha excitação foi interrompida pela vendedora, que voltara com duas novas camisetas nas mãos para que eu provasse.

- Trouxe essas duas – falou. – Você gosta de vermelho?
- Sim – disse agradecido, enquanto pegava as camisetas que trouxera e devolvia-lhe as outras. – Vou prová-las
- Não gostou dessas? – perguntou.
- Não ficaram legais – respondi.
- Ok! – falou. – Com licença.

Assenti.

- Caso precise de algo, é só me chamar – concluiu já caminhando.
- Ok! – eu disse agora. André permanecia ali.

Antes de fechar a porta do provador, dei lhe uma breve olhada e disse:

- Só um minutinho, já saio.
- Eu te espero – falou.
...

Provas concluídas, e ainda existiram outras três, sai da loja com pequena sacola em mãos. André que permanecia a meu lado, foi de pouca conversa. Apenas um ou outro comentário cada vez que eu saia do provador. Parecia-me diferente.

- Você está com pressa? – perguntou ele, quebrando o novo silêncio.
- Na realidade, não – respondi.
- Você poderia ir comigo até a sorveteria – disse enquanto a mão direita estendida indicava a tal. – A Marisa vai me encontrar lá.

Devo ter demorado um certo tempo a lhe acenar afirmativamente. Talvez por lembrar da insensatez que era aquilo, talvez por um possível futuro remorso, que eu certamente sentiria quando encontrasse com sua dedicada esposa, tão ausente do que se passou entre seu marido e eu. Se passou, e ao menos de minha parte, poderia voltar a acontecer.

...

Sentamo-nos em pequenos bancos de plástico branco, do lado esquerdo, em uma grande área aberta. Acima de nós, a nos proteger do sol, um grande toldo amarelo.
André olhou para o grande relógio, na parede da sorveteria e disse:

- Ainda temos um tempinho a sós.

Sorri-lhe, não vendo nisso vantagem alguma. Sempre soube que seu interesse por mim não se estendia a parte intelectual, portanto tempo livre para conversas, mesmo que fiadas, não me pareciam divertido.

- Pena que estamos aqui – resolvi dizer, com certa malícia.
- Talvez – falou ele, algo sério – mas eu prefiro que seja.

Tornei a estranhá-lo, mas o papo que se seguiu, mostrou-me que seu grande objetivo na realidade era surpreender. Me surpreender.


- 70 -

- Você já se apaixonou alguma vez? – começou ele.
- Sim – respondi – já sim.
- E essa paixão – continuou – te fez sofrer?

Sua pergunta, como o cheiro de um bolo, reavivou minha memória, aos poucos, minha mente foi invadida por uma profusão de imagens. Surgiram então sua boca vermelha como morango, seus dentes brancos e as costas largas. Eu seria até, capaz de afirmar que sentia o frescor de seu hálito se aproximando, dos músculos de seus braços – firmes como grandes peixes vivos – me envolvendo.

- Fez sim – respondi após algum tempo.

Senti-me um tanto tenso agora. Um nó fechou minha garganta, recém curada, e um “peso” se instalou em meu estômago.
André, que pareceu perceber a mudança pela qual passara meu estado de espírito, retomou o assunto de maneira mais cuidadosa:

- Sei o que sentiu – falou. – E admito que é exatamente esse sentimento que venho tentando evitar.

Não entendi ao certo onde ele queria chegar, e fiz questão de deixar isso claro.

- Vou te explicar – disse.

Começou então a relatar trechos de sua vida. Falou do pai severo e da família tradicional, das dificuldades que os homossexuais tinham anos atrás, em conseguir qualquer relacionamento.

- Homossexualidade era doença – falou.
- Pra muitos ainda é – retruquei.
- Podem pensar que seja – falou – mas não faz mais parte do “catálogo” de doenças. A ciência já se opôs a isso.

Assenti, e ele continuou.

Falou da sua primeira transa com homem, e da pressão da família pra que apresentasse uma namorada.

- A Marisa foi a primeira mulher com que sai – falou.

Contou da angústia que o seguiu nos primeiros anos do casamento, e das escapadas que dava:

- Era uma sauna aqui, um cineminha ali.

Estava achando interessante toda aquela história, entretanto não sabia o porquê estava me contando toda ela.

- Hoje – continuou – as coisas se facilitaram muito com o surgimento da internet. Vira e mexe, e é possível se marcar um encontro.
- Entendo – falei. – Mas o que toda essa história tem haver com esse momento? – indaguei já impaciente.
- Tem tudo haver – falou. – Se não percebeu ainda, o porquê estou te dizendo tudo isso, eu facilito, eu estou apaixonado por você.

Emudeci.

- 71 -

- Você deve estar louco cara! – falei de maneira um tanto ríspida, tão logo recuperei a fala.

Era ele quem emudecia agora. As outras duas mesas ocupadas naquele horário voltaram-se para nós. Devo ter falado alto demais.

- Meu! – continuei num tom mais baixo – você não pode ter se apaixonado por mim, em apenas um encontro.
- Um não – corrigiu ele – foram três. No dia da mudança, no almoço em sua avó, e depois em minha casa, se lembra?
- Que seja – ralhei. Aquilo estava começando a me incomodar.
- A paixão – continuou ele – não tem prazo pra acontecer. Aposto com você, que a sua paixão, também aconteceu assim, ligeira, sem tempo para grandes análises.

Ele tinha razão. Foi necessário apenas uma noite, uma breve conversa e eu já havia me entregue a ela. Mas em minha cabeça a confusão era outra. De um lado o prazer, a sensação de poder que a declaração dele me fazia sentir. Quem não adoraria ter a seu lado um homem como ele. Bonito e com a vida resolvida, uma idade legal. Alguém que sabia intercalar a safadeza com a seriedade.
Por outro lado, existia sua família. Uma mulher que dedicara parte de seus bons momentos a seu lado. Um filho pequeno, todo inocente.

Odiava esse meu jeito de ser e toda essa mania de pensar demais nas coisas. Aos poucos percebia que quanto mais vamos pensando em possíveis problemas, mais eles aumentam.

- Que dizer – falei um tanto cínico – que você se apaixonou por mim da noite pro dia?

Ele sorriu. Um sorriso sem graça, de quem tem a certeza que vai se decepcionar.

- Sua beleza – falou – chamou-me a atenção, logo que te vi.

Seu jeito de falar beirava o didático.

- Seguido a isso – continuou – vieram: sua voz, seu jeitinho de ser e seu lado selvagem na hora do sexo. Mas não parou nisso. Seus avós sempre nos falavam, a mim e a Marisa, de suas qualidades, e saiba que muitas delas estão entre as que eu mais procuro em alguém.

Sentindo me atordoado com tudo aquilo, perguntei:

- Quer dizer que, se eu quiser ficar contigo, você seria capaz de abandonar tudo?
- Seria difícil – falou ele – já que são anos de convívio, mas eu seria sim.
- Meu Deus! – exclamei espantando num misto de prazer e medo. – Mas eu sou muito novo ainda.
- Eu sei – falou – sei ainda de muitas outras coisas, tais como a possível reação da sociedade e de nossas famílias, a sua e a minha. São tantos os problemas e é por isso que eu venho sofrendo
- Mas se sente tudo isso por mim – continuei – porque só veio falar agora? Porque nunca demonstrou o que sentia?

Com a cara um tanto modificada, como se o espanto agora fosse dele, perguntou:

- Como nunca demonstrei?
- É, oras – ralhei – porque nunca me deu algum sinal de tudo isso que sentia. Não me procurou pra conversar.
- Dei sinais sim – falou – mas talvez eles não tenham sido o suficiente para que você percebesse.
- Deu? – perguntei incrédulo.
- Sim – falou. E parece-me que você sequer os notou. Sequer comentou a respeito.

Parei por instantes, tentando resgatar algo em minha memória. Uma brecha, um trecho de conversa que fosse, mas nada. Apenas uma tela em branco.

- Do que você está falando? – sentia me tenso agora, irritado. Minha garganta voltava a incomodar.
- Você não se lembra das flores? – perguntou.

Por instantes senti meu chão sumir.

- 72 -

- Você deve tê-las recebido, não é? – perguntou ele. – Mandei dois belos arranjos.
- Si... sim – respondi ainda embasbacado.
- Eu admito que o primeiro foi algo um tanto exagerado – continuou. Logo que foi embora da casa de seus avós, à noitinha, senti-me agitado. Sabia que havia encontrado a pessoa que a muito procurava.

Eu não conseguia emitir nenhuma palavra, era só atenção. E ele continuou.

- Logo pela manhã, eu e sua avó nos encontramos em frente ao portão. Ela voltando do mercado eu indo pra ele. Foi nesse instante que ela me convidou pro almoço, o qual a princípio recusei, não queria dar trabalho, entretanto ela disse: “Por favor, eu faço questão, meu neto inclusive também virá. E onde comem três comem cinco”. Lembro de ter lhe sorrido, achei engraçado sua tirada. Por dentro, entretanto, minha felicidade era ainda maior, eu iria poder te rever.
- Mas como conseguiu o endereço? – finalmente me manifestei.
- Dei uma desculpa esfarrapada a sua avó – respondeu – uma preocupação com o horário com que você fora embora. Ela então me explicou que você não morava tão longe. Conversa vai, conversa vem e logo eu consegui seu endereço.

Tudo parecia fazer o mais absoluto sentido.

- Indo para o mercado, dei uma rápida parada numa floricultura e pronto, estava feito. Imaginei, entretanto, que fosse comentar comigo sobre elas.
- Mas não constava remetente no cartão – falei.
- Claro – continuou ele – a não ser que tenha outros fãs, a dica seria fácil. Tem outros fãs?

Parei a pensar por um instante. Era engraçado tudo aquilo, ele foi exatamente à pessoa na qual nunca pensei. Lembro-me de ter “ficado” com o Binho e almoçado com o Luciano na mesma semana. Realmente nosso breve contato, me foi apagado.

- Não – respondi – não tenho outros fãs. Mas me diga – continuei – esse primeiro, apesar de exagerado como você disse me faz sentido, mas e o segundo. Não me parece fazer muito sentido.

Ele riu, e sem pestanejar explicou:

- Você havia desaparecido e eu fiquei um tanto receoso em te ligar. Pensei que se tivesse realmente me curtido, também daria um jeito de procurar por mais. Então senti-me murchar.
- Eu nem tenho seu telefone – falei.
- Mas sabe onde moro – falou – e com certeza a maneira de consegui-lo, sei que é esperto.

Assenti, e ele continuou:

- Na quinta-feira à tarde, enquanto eu colocava o carro na garagem, vi seu avô. Apressado, e com uma conversa meio sem pé nem cabeça, conduzi minha breve conversa com ele, num interrogatório a seu respeito.

Permaneci apenas a observá-lo.

- Ele então me disse que sua avó havia falado com sua mãe dias atrás e que você não estava muito bom. Problemas na garganta.

Era verdade, lembrei-me que ela havia ligado no sábado pela manhã. Cheguei a confundir sua ligação com a presença do Luciano. Tudo estava claro agora.

- Sabe – retomou ele – o que eu sinto por você é muito grande e não está cabendo mais em mim.

Antes que eu fizesse qualquer manifestação, ouvi uma voz feminina me chamar pelo nome. Era sua esposa.

- 73 -

- Encontrei-o na loja – falou ele, tão logo ela mencionou meu nome – e ele veio me fazer companhia.

Ela sorriu simpática e perguntou:

- Vamos almoçar conosco hoje?

Senti-me sem graça, e com certa pena dela enquanto ele me olhava com desejo nos olhos.

- Vamos sim - insistiu ele.
- Hoje não posso – falei com ar de pesar. Não achei que seria legal fazer aquilo, com nenhum de nós.
- Por quê? – perguntou ele, um tanto ansioso e incrédulo.
- Por quê? – comecei, sem ao certo ter certeza – porque, meus tios vão almoçar em casa hoje, e meus pais estão me esperando. Só estava aqui pra lhe fazer companhia mesmo, já tenho que ir.

As frases se emendavam, um tanto confusas. Visíveis desculpas.

- Certamente não irá faltar oportunidade – falei.
- Com certeza – falou ela sorridente. – Vamos, meu bem! – continuou, enquanto passava o braço direito sobre seu ombro.
- Vamos – respondeu ele seco ainda a me olhar.

Marisa deu me um pequeno beijo no rosto, André me estendeu a mão. Enquanto a apertava ele disse:

- A gente combina outra hora pra continuar o nosso papo.
- Apenas assenti. Sentia-me receoso agora.

(...)

Breno chegou no horário prometido. Cabelo bem penteado, camisão azul a cobrir o peitoral que me pareceu ainda mais definido e calça jeans escura. Era difícil agora olha-lo e não achar que eu perdera tempo. Ele melhorara e se modificara muito desde a primeira vez que me propôs algo. Havia agora, entretanto, o ressentimento que eu sentia.

- Olá – disse sorridente, assim que abri a porta.
- Olá – respondi.

Meio que inesperadamente, ele me abraçou. Ainda não me acostumara a tais demonstrações de carinho. Era um abraço bom, caloroso, mas tipicamente diferente daquele que se recebe de um amigo. Uma pessoa mais atenta ao fato notaria isso.

- A casa é simples – comecei – a comida também, mas é tudo feito com muito carinho.

Ele apenas sorriu.

...

Rimos muito à mesa e ele agora me parecia ainda mais interessante. Meus pais que também pareceram adorá-lo, me fizeram sentir uma nova pontada de decepção. Tudo aquilo era muito bom, mas, ele não era a pessoa. Estava apenas ali, porque eu o permitira, porque eu o queria por perto. Estava num jogo e talvez nem soubesse disso.

- 74 -

Após o almoço, resolvemos dar uma volta. Caminhar seria bom, pensei, apesar de ainda não me sentir totalmente refeito da noite anterior.

...

- Pensei num sorvete – falou ele, após alguns passos em silêncio – que acha?
- Por mim – disse numa espécie de resmungo – tudo bem.

Toda minha alegria matinal se mesclava com uma nova e recém descoberta agonia.

- Aconteceu algo? – perguntou ele, agora me olhando.
- Não – disse enquanto mexia a cabeça, tentando confirmar minha negação – não aconteceu nada.

Via-me agora à beira de um precipício, tendo toda uma alegria de um lado, e um profundo vazio do outro.

A alegria, pela noite divertida que tivera, e por sua companhia. Se continuássemos nesse pé, em breve, eu poderia dar “cabo” dele. Faria-o provar do próprio veneno.
A agonia, entretanto, se devia por algo dentro de mim insistir em ir contra tudo, em querer desistir de toda essa bobeira.
Era também, por me lembrar que existia alguém apaixonado por mim, e que eu não poderia corresponder a essa paixão mesmo que quisesse, pois ela inevitavelmente destruiria a vida de outros. Era a segunda paixão que dispensara em questão de dias.

- Ah bom – suspirou ele. - Mas o que achou de ontem? – perguntou.
- Bom – falei agora, tendo novamente um sorriso nos lábios – eu adorei tudo aquilo.

A lembrança das músicas, do ambiente e de tudo o mais, parecia me fazer bem.

- To pensando em ir de novo – falei talvez um tanto eufórico. – O que acha?

Ele riu, antes de responder.

- Sabia que também teria essa reação – falou – ela acontece com todos.

O papo transcorreu tranqüilo enquanto caminhávamos. Sorrisos se intercalavam as lembranças.

- O Fábio estava na maior expectativa – falou. Talvez até maior que a minha.

Senti-me corar.

- Você tinha expectativas? – perguntei.
- Todas elas – falou, um tanto sem jeito. - Há muito que eu esperava por aquilo.

Eu parecia estar com razão.
O papo na sorveteria se resumiria a suas histórias, já que eu lhe propusera que falasse mais sobre si.

...

A casa em frente a minha finalmente pareceu-me concluída e só vim dar conta disso, quando estávamos voltando para casa.

- É uma bela casa – falou ele.
- Sem dúvida é – concordei, enquanto certas lembranças voltavam em minha mente – sem dúvida é.
- Quem sabe um dia não tenhamos uma igual – falou sorrindo.

Não respondi.

- 75 -

Nem bem chegou em sua casa, e Breno me ligou:

- Já estou com saudades, acredita?
- Claro – respondi.

Em todas as histórias que me contou a maioria relacionada a sua infância e aos novos afazeres, o nome do Rodrigo sequer foi mencionado. Imaginei que não o mencionaria.

...

Os dias vindouros foram um tanto ligeiro, com os professores nos “socando” matéria, para o encerramento do ano. Achava engraçado esse modus operandi, das escolas estaduais, onde toda a matéria é “dada”, mais muito pouco dela realmente entendida.

Na quarta-feira, a casa em frente a minha, começou a receber a mobília dos novos vizinhos, entretanto eu ainda não vira nenhum deles. Segundo comentários durante o jantar, era uma família pequena, pai, mãe e dois filhos. Legal! – lembro ter pensado.

Breno agora vivia numa constante busca por mim. Fora os encontros diurnos no intervalo ou na entrada da escola, havia os telefonemas ao final do dia.

Chegávamos a combinar de sair da classe antes do sinal de intervalo. Com isso trocamos vários beijos calorosos dentro do banheiro e amassos apressados na quadra.

A cada dia sentia-me mais envolvido. Talvez até o mesmo tanto que ele, quem sabe?

Meu projeto de vingança, aos poucos, começava a perder o sentido. Não conseguia ver o Breno como àquele cara que me fora pintado pelo Luciano. Falando nele, este desaparecera, por completo. Talvez as novas amizades, estivessem ocupando demais seu tempo e isso me chateava.

...

A quinta-feira já se findava. Eu saíra na parte da tarde, pra ir até o mercado, fazer uma pequena compra pra minha mãe. Aproveitara o “passeio” pra uma breve passada em uma casa lotérica. “Mega Sena Acumulada” – dizia um grande cartaz em sua frente. Peguei alguns volantes para quem sabe fazer uma fezinha. “Um dinheirão desses – pensei – e eu mudava de vida”.

Ainda na rua, pra não perder o costume, adentrei numa banca de jornal que “surgira” no caminho.
Dei breve olhada nas revistas e também nos jornais. Novamente uma notícia conseguia me chamar à atenção:

“Polícia confirma a existência de novas provas, no caso O Mouro”.

“Nossa – pensei – achei até que já tinham desistido”

“O crime, que recebeu o nome do restaurante onde o corpo fora achado, e que parecia estar num beco sem saída, pareceu retomar fôlego”. – dizia a pequena nota. “O delegado Alvarenga confirmou na tarde de ontem por telefone – continuava a matéria - a descoberta de novas provas no caso do empresário assassinado: - Existe um homem envolvido”.

Achei aquilo curioso demais e acabei comprando o jornal.

...

Já existiam planos, quando a sexta começou. Eu, Breno e Fábio sairíamos de casa, dessa vez um pouco mais cedo, para ir a boate. Eles queriam, entretanto, que eu conhecesse um novo lugar, antes. Tratava-se de um barzinho.

Eu estava ansioso. Ansioso por todo aquele novo mundo e pelas coisas que me viriam com ele.

...

Cheguei em casa, vindo da escola, um tanto cansado. “Tenho que deixar de ser preguiçoso” – resmunguei pra mim mesmo. E logo, me contrariando, já estava eu deitado no sofá, perna erguida sobre o encosto. “Preciso estar descansado pra balada” – me justifiquei.

A casa vazia, com todo aquele silêncio, me fez cochilar. De repente ouvi a campainha. Levantei-me devagar: “Quem será?” – perguntei.

Como não era de se duvidar, um espanto me acometeu tão logo eu abri a porta.

- Você? – perguntei incrédulo.

- 76 -

Ele abriu um pequeno sorriso enquanto dizia:

- Pois é, eu mesmo. Surpreso?

Sem dúvida meu rosto era capaz de expressar isso.

- Claro – respondi.
- Eu sabia que estaria sozinho – continuou – e aproveitei pra te ver.
- Como tinha essa certeza – perguntei – de que eu estaria sozinho?

Um novo sorriso lhe estampou o rosto, antes de tornar a falar.

- Posso entrar? – perguntou.

Nesse instante senti-me um pouco receoso, mas dando um passo para trás, abri-lhe passagem e ele fez uso dela. Fechei a porta.

- Bem – retomou ele – talvez você não saiba, mas eu estou de férias do trabalho.
- Não – respondi um tanto seco – não sei de nada.
- Pois bem, e como o seu avô é um senhor aposentado, conversávamos no portão quando sua mãe chegou junto de sua irmãzinha.

Por vezes eu me esquecia que ele era vizinho de minha avó. Burrada minha essa.

- Seu avô me disse – continuou ele – que ela viera buscá-los para fazer compras.

Mensalmente, minha mãe ia até a casa deles, e de lá eles partiam para o mercado fazer a compra mensal, de ambos.

- Então, aproveitei esse tempinho, e resolvi te ver. Temos quase uma hora pra conversarmos, ou algo do gênero, antes que eu precise ir buscar meu filho na creche.
- André – perguntei – e sua esposa?
- O que tem ela? – retrucou
- Você não pensa nela?
- Penso sim – respondeu – principalmente quando estou com ela. Nos últimos dias, entretanto, meus pensamentos são todos seus.
- Olha – falei, caminhando rumo a porta – acho melhor você ir embora agora. Meu irmão pode chegar a qualquer momento e eu não saberia o que dizer a ele.

Abri novamente a porta esperando que ele saísse. Seu rosto, no entanto sofreu uma grande variação.

- Eu não te disse que te amo – falou, com a voz um pouco elevada – portanto feche já essa porta.
- É melhor você ir – retomei com cuidado – a gente combina de se ver em outra hora, tenho uns trabalhos pra fazer.
- Fecha a merda dessa porta – berrou.

Fiz o que ele disse e ele sorriu. Estávamos agora, sozinhos ali.

- 77 -

As faíscas que até a pouco se faziam visíveis em seus olhos, deram lugar a um novo e estranho brilho. Ele então caminhou em minha direção. Senti temeroso.

Seus braços não demoraram a me envolver. Tive receio em fugir, mas também evitei “dar corda”.

- Que saudade eu estava sentindo desse seu cheiro – falou, rosto colado em meu pescoço. – Você não sentiu a minha falta também?

Antes que eu lhe desse qualquer resposta, começou a me dispensar uma série de beijos, curtos e ligeiros, por todo meu pescoço. Sua mão agora segurava minha nuca. Gemi.

- Sentiu ou não sentiu? – insistiu ele, enquanto suas mãos pressionavam com mais força meus braços.
- Aham – resmunguei, num misto de medo e desejo.

Sua boca então se aproximou da minha, e ele perguntou:

- Você me quer, meu putinho?

Aos poucos minhas amarras iam cedendo, dando espaço a novos e estranhos desejos. Num ímpeto tirei-lhe a camiseta, e deslizei minhas mãos em suas costas. Rindo, por sua vez, ele pegou me no colo e caminhou comigo assim até o sofá. De maneira brusca ele me atirou ali.

- Eu sabia que eu ia te encontrar meu putinho – falou enquanto suas mãos se ocupavam em abrir a calça.
- Pois é – falei risonho. Demorou, mas encontrou.

Aquele novo palavreado e suas atitudes mais selvagens estavam me descontrolando. Estava sendo difícil para mim, fugir daquela situação. Sua voz e o calor de seu corpo vinham me deixando com o tesão à flor da pele. Sentia agora um desejo incontrolável por ele.

- Você me quer? – perguntou ele novamente. Tinha agora um sorriso safado no rosto e as mãos a pressionar o volume sobre a cueca preta. Sua calça já havia descido até a altura do joelho.
- Muito – falei – eu te quero muito.

...

Nossos corpos estavam seminus, a se roçarem. Nossas bocas unidas num beijo quente. Éramos quase uma única pessoa quando o telefone tocou.
Espantado, voltei à realidade.

- Meu Deus! – disse. – Quem será?

Tomado por uma estranha mudança, André bradou:

- Não interessa agora quem é.

E me empurrando de volta para o sofá, concluiu:

- Ninguém vai me impedir de te possuir de novo.

Um frio arrepio meu subiu pela espinha.

- 78 -

...

O som estridente do telefone parecia não parar. André me segurava com ambos os braços e continuava com seus beijos.

- Espera um minuto – falei baixinho, tentando um certo charme – vou atender e já volto.

Fiz nova investida para que conseguisse me levantar então ele me surpreendeu. Como eu estava por baixo dele, ele ergueu seu corpo e com a mão esquerda me desferiu forte tapa no rosto.

- Fica quieto – bradou – viado filho da puta.

De imediato, senti me perdido, com medo. As lágrimas não demoraram a surgir.

- Eu quero que você pare – falei me mexendo pra todos os lados.

Novo tampa então se fez sentir. Junto com ele uma nova série de atos violentos. Levantando e virando-me de bruços, com um único e forte puxão André arrebentou minha cueca.

Meu rosto ardia. Eu queria fugir. Mas o medo me impedia. O medo e novamente uma sensação de prazer. Ele agora começara a me lamber.

...

A última hora pareceu um tanto confusa, com momentos passando voando, outros nem tanto. Sentia-me dolorido, por inteiro.

André, tão logo se satisfez, pegou suas roupas espalhadas pelo chão da sala, e calmamente se vestiu.

- Você gostou da surpresa, amorzinho? – perguntou ele, com voz melosa.

Era espantoso como ele facilmente mudava seu modo de ser. Era um ator ou... um doente. Ele praticamente me violentara, com seus movimentos fortes. Ainda sentia meu rosto e nádegas arderem pelos tapas que recebera. Meu couro cabeludo algo que latejava, já que me segurou pelos cabelos em alguns instantes mais “ferozes”.

- Hei! – disse ele, dedo em meu queijo a erguer minha cabeça – o que foi amor? Não gostou de fazer amor com o papai?
- Amor? – perguntei incrédulo – Pra mim isso está mais para estupro – resmunguei.

Ele riu, melhor, gargalhou.

- Amar – falou – não é só atos carinhosos e delicados. Isso que nós fizemos foi amor sim, amor selvagem.

Achei melhor não responder.

Levantando-se, já vestido, deu me um breve beijo na boca, o qual não correspondi. Sequer me vestira ainda.

- Eu volto outro dia, amorzinho, pode me esperar. – falou. - Agora tenho que buscar meu filhote. E rindo concluiu: “O outro filhote”.

Saiu fechando a porta atrás de si.

- 79 -

Meu corpo doía e um gosto de sangue se fazia sentir em minha boca. O telefone, que ainda tocara mais uma vez, silenciou.

- Quem será que me ligou? – me perguntei.

Por via das dúvidas, resolvi que ligaria para o Breno, provavelmente era ele. Antes porem iria tomar um banho.
Levantei-me devagar do sofá. Minhas roupas estavam todas espalhadas pelo chão e o tapete fora do “eixo”.

- Olha isso! – falei espantado, cueca rasgada em mãos. – Onde isso é amor?

A violência com que André me possuíra e suas reações aos telefonemas, me deixaram com um grande receio dele. Toda a excitação que a situação me deu, eu perdi com seus atos.

Sequer gozei. Alias hoje eu descobri, não existe coisa pior do que ser penetrado sem estar sentindo prazer. Dói, e dói muito.

O incômodo é tamanho, que ainda agora sinto minha barriga doer.

...

Um pequeno corte na boca, no canto superior esquerdo, era o que me deixava aquele gosto ruim na boca. Meu rosto estava avermelhado e meu cabelo desmanchado. Coloquei as roupas no cesto de roupas sujas, com exceção da cueca. Precisava me desfazer dela, mas não podia ser ali.

Pela segunda vez não usamos camisinha.

- Preciso fazer um exame – falei a meu reflexo.
...

Desci as escadas devagar, já que minhas pernas estavam um tanto bambas. Meu intestino pareceu querer sair a pouco. Chegava a estar receoso em sair.

- Vá que eu tenha um piriri na boate – pensei.

Levei minha toalha até o quintal, para que o sol do fim do dia pudesse secá-la. Voltando pra dentro, caminhei em direção ao telefone, ali na cozinha.

Assim que coloquei o fone no gancho, uma voz vinda do outro lado me assustou:

- Quem fala? – perguntava aquela voz, que me soara familiar.
- Que susto – falei.
- Oi – retrucou a voz – era com você mesmo que eu queria falar. Como você está? E porque do susto?
- Oras! – ralhei. Nem bem coloquei o fone no ouvido e ouço uma voz, normal que eu me assuste.
- Acho que não deu tempo de você ouvir o toque – falou.
- Pode ser – respondi. – Mas me desculpe, eu conheço a voz, mas não me lembro quem é.
- Nossa – respondeu meloso – nem faz tanto tempo assim, e podíamos dizer que vivíamos grudados.

Era o Luciano.

- 80 -

- Lú?! – perguntei.
- Ahh! – falou num tom alegre – achei que não fosse acertar.
- Pois é – ralhei – com tanto tempo sem nos falar, nem seria estranho isso.

Ele se limitou a um breve riso.

- Mas a que devo a ligação? – perguntei irônico.
- A terceira – falou – diga-se de passagem. Você não estava ai ou está ocupado?
- Não estava – menti.
- Então – continuou – estou te ligando, porque queria lhe ver.
- Nossa! – disse surpreso – o que aconteceu?

Ouve um minuto de silêncio, até que ele voltasse a falar:

- Tenho notícias a lhe dar, e o preferia faze-lo pessoalmente.
- Notícias?! – perguntei algo espantado – que notícias?
- Como eu te disse – continuou – prefiro faze-lo pessoalmente.

Imediatamente minha criativíssima mente imaginativa, começou a agir. Será que ele iria me dizer que ele e o Rodrigo se descobriram gays e estavam namorando?

- Bem – perguntei ainda a divagar – mas que horário você viria aqui?
- Estava pensando em ir à noite – respondeu – quem sabe até darmos uma volta.
- Hum! – resmunguei. À noite eu já tenho um compromisso.

Já não estava tão certo se sairia. Meu corpo doía demais, e ir numa boate nessa situação não me permitiria aproveitar nem o suficiente.

- Tudo bem, então – falou. Poderemos deixar para amanhã, se o preferir.

Senti uma certa pontada de decepção em sua voz, a minha, entretanto deixava clara a ansiedade em saber que notícias eram essas que ele me daria.

- Claro que podemos – falei apressado – que horário pensa?
- À tarde – respondeu – porque ai sei que já estará descansado.
- Tudo bem – falei. – Pode ser as 16:00 no mesmo lugar da outra vez?
- Pode sim – respondeu – então, até lá.
- Até – falei.

Desligamos.

Tomei um antitérmico e fui me deitar. Precisava descansar um pouco, me recuperar da “canseira” que se abatera sobre mim se quisesse sair à noite. Tive ímpetos de desistir, e ligar para o Luciano, mas achei melhor levar adiante. Já havíamos combinado, não é?

...

Já era noite quando acordei. 20h30. Marcava o rádio-relógio junto à cabeceira. Era hora de levantar.
Peguei a toalha e caminhei novamente para o banheiro, para tirar a “baba”.

Eles chegaram em casa eram 21h30. Nosso destino nos aguardava.

- 81 -

Como estávamos “adiantados”, fizemos o percurso numa velocidade menor. Fábio, que era um bom motorista, muito seguro de seus atos, dividia a dianteira do veículo com Breno.
Eu, que fui no banco de trás, sentei me no meio dele, cabeça enfiada no espaço entre os bancos pra poder conversar melhor.

- Nervoso? – perguntou ele, num instante em que o falatório sobre a semana acalmou.
- Pouco – falei. – Ansioso talvez.

Todos rimos.

- Mas ansioso por quê? – Fábio tornou a perguntar. – Algo em especial?
- Não sei – respondi.

Mas eu sabia. Estava ansioso pelo dia seguinte, pelas notícias que o Luciano me contaria. Mas pensando melhor, a idéia de voltar a balada, agora com companhia também me deixava assim. Sim, porque com certeza o Breno iria querer assumir esse papel. E não demorou a demonstrá-lo:

- Ele está ansioso pra ter meu beijo de novo – falou
- Convencido você hein! – retruquei rindo.

Ele então se virou e colou seus lábios aos meus. Um beijo rápido, mas quente.

- Em breve – falou ele num sussurro – você vai ter muito mais de mim.

Senti me corar. Talvez também desejasse aquilo.

...

O barzinho tinha um clima agradável e sossegado, muito diferente da boate. Ficava numa grande casa, num bairro quase que residencial.
Da frente vinha um grande ruído. Seis conjuntos de cadeiras e mesas de madeira, onde outrora existira quiçá um jardim, todos ocupados. Eram as mais distintas vozes a se falarem, numa conversa continua e animada.

...

Uma vez lá dentro, e não demoramos a nos ajeitar. Fábio logo se levantou e partiu para a “caça”, deixando nos sozinhos.

- Que bom te ver de novo, te ter pertinho – falou Breno.

Apenas assenti. Também estava curtindo.

- Sabe – disse ele num novo sussurro – não agüento mais de vontade de te ter.
- Tanta assim? – perguntei
- Em excesso – respondeu, já com as mãos sobre as minhas.

Devagar, aproximou seus lábios dos meus, e nos ligamos em novo beijo. Adorava, simplesmente adorava seu beijo.
Mas em breve eu teria que tomar uma decisão, se permanecia com eles, ou se jogava tudo pro alto. E essa hora estava chegando.

- 82 -

...

Era quase meia-noite e meia quando saímos do barzinho com destino a boate. Tínhamos agora um novo componente a nos acompanhar. Segundo o Breno, o menino que se chamava Renan, já era um velho conhecido do Fábio.

- Beijante – falou ele.

Explicando em seguida disse que beijante, é algo parecido com ficante, só que mais esporádico.

- É aquela pessoa, que a partir do primeiro beijo – falou -, sempre que podem e que estão solteiros, se beijam. Mesmo que na mesma noite role de ficar com outro. Entende?
- Sim, sim – disse – entendi, apesar de não concordar muito.
- Pois é – falou – mesmo que não concorde isso acontece. Isso e outras tantas coisas que ainda vai ouvir falar.
- Faço idéia – falei.

Parecia-me estranho tamanha superficialidade existir.

- Desse jeito – resmunguei – ninguém nunca vai encontrar seu par.

Ele, que agora ia sentado a meu lado no banco traseiro, apenas riu.

(...)

O dia já passara da metade e o sol ainda era quente. Muito quente. Eu acordara a cerca de duas horas, com minha mãe me chamando para almoçar. Chegáramos tarde, quase seis da manhã, ou eu deveria dizer cedo?

Levantei, tomei um belo e reconfortante banho e almocei. Cochilei um pouco no sofá da sala, até mais ou menos três e vinte.

- Vou sair agora – anunciei a minha mãe, que já sabia de meu encontro.
- Tudo bem – falou ela. Voz vinda da cozinha onde concluía sua arrumação do almoço.

Vi então, pela primeira vez, na grande casa enfrente a minha, um de meus novos vizinhos. Tez clara e olhos azuis vestia jeans e camiseta branca. Eu poderia chamá-lo de Sr. Lindo, tendo em vista o deslumbre que me causou, entretanto ouve algo mais. Um belo e largo sorriso deixou a mostra dentes alvos e perfeitos e um aceno de cabeça com um sussurrado “olá”, tornaram-no Sr. Perfeito.

Vitor era seu nome, e descobri depois, o mais velho dos irmãos. Minha curiosidade agora, era poder encontrar logo o mais novo, e conferir se a genética havia lhe sido generosa também.

...

- Topa um sorvete? – perguntou Luciano, minutos após minha chegada e nossos cumprimentos.
- Claro! – respondi com um sorriso no rosto. Meus olhos pareciam estar carregados de areia, estava cansado.

...

- Estou de partida – falou tão logo nos sentamos.

- 83 -

Era a segunda vez que eu ouvia algo do tipo vindo da boca dele.

- De partida pra onde? - indaguei.
- Pra capital – respondeu, voz suave – consegui um emprego legal lá.

Aos poucos me contou detalhes do novo emprego, de seus últimos dias na cidade e de toda a correria e expectativa que o cercavam. Senti uma pontada de inveja, já que minha vida parecia estar se repetindo, inclusive nas novidades.

...

Levantamo-nos da pequena mesa plástica e caminhando saímos da sorveteria.
O céu tinha um tom alaranjado naquele final de tarde. Uma lufada de ar quente veio em nosso encontro.

- Calor né!? – falou ele.
- Muito – respondi.

As árvores em nosso percurso de volta, começavam a receber seus hóspedes. Era uma infinidade de piados, e o farfalhar das folhas se confundiam com o som do bater de asas.

Caminhamos assim, num papo descontraído, até a frente de minha casa.

- Entre um instante – falei, enquanto abria o portão.
- Eu realmente preciso ir – falou ele – tenho um milhão de coisas a acertar ainda.

Concordei. Despedimo-nos com um longo e terno abraço.

- Até mais – falou ele.
- Até – respondi.

Fiquei ali, junto ao portão, nó na garganta, enquanto ele caminhava. “Devo estar aqui, pra festa de formatura” – ele disse.
Me virei, caminhando agora casa adentro. Pareceu-me, então, ter ouvido novamente sua voz a me chamar.

Esqueci-me de uma coisa – falou ele um tanto esbaforido, novamente no portão.

- 84 -


- Se esqueceu!? – exclamei espantado. – Mas se esqueceu de que?
- Olha – começou ele – nem sei se devia lhe falar algo sobre isso, todavia achei melhor voltar.
- Mas, sobre isso o que? – tornei a indagar um tanto receoso de sua resposta.
- Bem... – disse ele, cabeça baixa agora.

E como demorou a responder, tornei a lhe perguntar, ansioso que eu estava:

- Sobre?
- Sobre a aposta – disparou, olhos a fixarem os meus.

Senti-me gelar.

(...)

Fábio e Renan trocaram alguns beijos ainda com o carro em movimento. Breno, parecendo não querer ficar por baixo, me trouxe pra junto de si e intensificou seus beijos. Despendeu-me vários deles no rosto e vagarosamente desceu em direção a meu pescoço. Senti-me arrepiar.
O carro estava parado numa fila dupla, a espera de um sinal verde. Ao nosso lado, na outra fila, uma senhora no banco traseiro, pareceu-me espantada com o que via.

Abrindo o vidro, talvez para evitar qualquer dúvida a ela, e Fábio deu um longo selinho em Renan e uma leve piscadela a ela. Contrariada, ela virou o rosto para o outro lado. O motorista e o acompanhante também não pareceram felizes com a cena, e aceleraram o carro tão logo o sinal se abriu.

Um vento fresco entrou carro adentro tão logo nos movemos.

Breno permaneceu um tanto alheio a tudo enquanto minha mente era invadida por uma série de pensamentos: quão bizarros parecíamos às outras pessoas? e o porquê delas pensarem assim?

- Engraçado! – pensei alto
- Como? – perguntou Breno a me olhar.
- Nada não – respondi – esquece.

Ele sorriu, e uniu seus lábios aos meus.

Engraçado era o fato de eu também achar tudo aquilo um tanto bizarro, como se algo realmente estivesse fora do lugar. Não naquele instante, na companhia deles, mas sempre que me encontrava sozinho e parava pra pensar a respeito.

O carro parou de repente. Havíamos chegado.

...

Fora do carro, e Breno se prostrou a minha frente, mão a segurarem meu rosto.

- Eu... – disse enquanto me dava breves beijos – estou... (outro) apaixonado (disse isso quase que a soletrar)... por... você.

Senti uma pontada de tristeza dentro de mim.

- 85 -

- Não devia mais mencionar um assunto – continuou ele – sabendo que ele morreu pra você. Morreu não é? – perguntou

Agora fui eu quem demorou um tempo a responder.

- Morreu - disse eu de modo que não convencia nem a mim mesmo – morreu sim.

Ele me olhou um tanto receoso, talvez por ter tocado no assunto, mas levou adiante:

- Achei que não houvesse mais problemas pra você falar a respeito, até porque estava ajudando o tal do Breno com trabalhos de escola e tal.
- Não, não – retruquei – sem problemas.

Luciano continuou:

- Depois que passei a trabalhar o dia todo, inevitavelmente me encontrei mais vezes com o Rodrigo. Ele está sempre por lá.
- Sei – resmunguei, me lembrando do dia que os vi juntos no carro. – Tornaram-se amigos? – perguntei com certo cinismo.
- Sim – falou ele sem que seu rosto sofresse alterações – nos tornamos amigos. Conversamos sobre muitas coisas, até sobre a dita cuja aposta.

Permaneci aparentemente em silêncio, mas dentro de mim havia uma multidão, toda ela a opinar. Algumas sugeriam hipóteses sobre as conversas deles, outras faziam questão de me lembrar os beijos e a conversa com o Breno horas atrás. Inevitavelmente chegara a hora da decisão. Devia ouvi-lo e depois parar e pensar exatamente qual seria essa decisão.

- O que os levou a falar sobre isso? – perguntei.
- Não me lembro ao certo – falou – acho que foi depois que vimos um travesti andando pela rua durante a noite.
- Travesti?! – perguntei com espanto – o que eu tenho em comum com um?

Ele riu e falou:

- Não tem nada, meu amigo. Apenas foi por esse motivo, se é que me lembro direito, que a tal da aposta chegou na conversa.
- Mas então me fale de uma vez criatura – ralhei, lembrando de já ter dito isso – to começando a ficar agoniado.
- Bom, vamos lá então – disse ele.

(...)

Já eram quase quatro horas, e a balada fervia. Um povo dançava, outro ria e meio a conversas quase inaudíveis devido ao som alto. Som dos melhores, diga-se de passagem. A casa trouxera um DJ convidado aquela noite.

Fábio e Renan se afastaram no decorrer da noite, tinham “coisas” a acertarem. Eu e Breno, a certa altura, sentamo-nos num dos sofás pretos espalhados pela casa. Ele queria conversar.

- Quero te perguntar uma coisa – disse ele
- Pergunte – falei.
- É algo muito sério – falou agora frisando a palavra muito.

Era difícil ouvir ao certo tudo que se dizia, ou falamos quase que aos berros, ou em grandes sussurros ao pé do ouvido.

- Meu Deus, criatura – resmunguei – fale logo. Quer que eu morra de ansiedade?

Ele riu.
ÚLTIMOS CAPÍTULOS - FINAL

- 86 -

- Olha – falou ele num tom mais alto, após rir de minha ansiedade.
- Sim – falei, olhos arregalados.
- Eu gostaria de lhe fazer um pedido – continuou
- Pedido de que? – perguntei, chegando com minha boca, mais perto de seu ouvido. Estava difícil conversar com todo aquele agito ao nosso redor.
- De namoro – concluiu. – Você quer namorar comigo?

(...)

Luciano falava devagar, esclarecendo mais uma vez que não queria tocar no assunto, mas achou melhor e como bom amigo que se dizia ser, deixar me de sobreaviso. Isso aumentou minha curiosidade. Contou-me como, aos poucos, o Rodrigo começou a conversar com ele, e de suas saídas noturnas.

- Nunca te esqueci – falou – mas existiam dois problemas, primeiro: você não iria querer sair conosco, e segundo, saiamos para baladas normais.
- As que eu freqüento não são normais? – perguntei
- Você entendeu o que eu quis dizer – respondeu.

Era engraçado como ele era detalhista. Lembrava dos lugares, das horas e das situações. Finalmente chegou o trecho da conversa sobre a aposta:

- Nesse dia do travesti, foi a primeira vez que falamos sobre homossexuais. Ele me perguntou se eu conhecia algum.
- E você? – perguntei
- Falei que só de vista – respondeu
- Por quê? – tornei a perguntar – Porque não falou de seu irmão?
- Por que – respondeu – não valia a pena, ele não é a pessoa que entende algo desse tipo.

Assenti, ele continuou:

- Ele disse que conhecia alguns. Que entre eles (se referindo aos jogadores), sempre tem alguém que curte. “Demorou pra eu aceitar ficar com um, sabe cara”, ele disse. “Um tempinho atrás, um conhecido meu me veio com uma proposta de pegar um carinha, que eu tinha conhecido há pouco. Uma espécie de aposta”.
- E ai? – perguntei.
- Ele disse que o Breno, velho conhecido seu, te conhecia já há algum tempo, e que você nunca tinha dado bola pra ele. “Aposto com você que também não consegue fazer ele”, foi assim que ele me disse que surgiu a aposta, numa ligação.

Eram dois detalhes verdadeiros, o fato de Breno me conhecer a algum tempo e a aposta via telefone. Ele continuou:

- “Aposta quanto?” ele perguntou ao Breno. “Cinquentinha, que você não consegue comer ele” e ele respondeu “Fechado”.
- Cinquentinha – pensei alto – então era esse meu preço.
- E como eu te disse da outra vez – falou Luciano – ele disse que o Breno não vai sossegar até conseguir fazer o mesmo.
- Entendo – falei
- Mas entenda – continuou – ele não vai fazer pelo prazer, ou pelo desejo, segundo Rodrigo. Ele disse que quer reaver o dinheiro. Disse que é questão de honra.

Senti o velho nó surgir no estômago.

- Disse que ele inclusive seria capaz até de te seduzir para conseguir o que queria – falou.

Fiquei quieto a divagar por um instante e Luciano me perguntou:

- Ele não tentou nada não é?


- 87 -

- Não – resmunguei, olhos baixos – ele não tentou nada.

Minha memória, que naturalmente se reavivava a qualquer estímulo externo, reconstruía aos poucos minha última conversa com o Breno. Horas antes...

(...)

- Tenho um certo receio – disse eu num tom que não me pareceu audível.
- Receio de que? – perguntou ele, mãos a segurar as minhas.
- De não saber como agir – respondi um tanto embasbacado pela sua “proposta”.

Ele estava visivelmente ansioso. Seus olhos tinham agora um brilho diferente, uma mescla de desejo, nervosismo e alegria.
Seu rosto se aproximou do meu, sua boca da minha e com um sorriso nos lábios Breno disse, de maneira que eu conseguisse ler seus lábios antes de colá-los aos meus:

- Se me permitir, eu te ajudo.
- Eu permito – falei convicto que aquela seria minha decisão final. Estava disposto a esquecer tudo. A aposta havia morrido pra mim.

(...)

- A aposta morrera – lembrei-me.

Luciano parecia satisfeito com minha resposta. Segundo dizia, não gostaria de me ver sofrer. Entretanto, era geralmente ele quem ressuscitava assuntos mortos e fazia questão de não me permitir esquece-los. Teria ele algo contra o Breno? – me perguntei.

- Bem – falou ele – fico feliz em saber que ele não te fez nada. – Espero – continuou – que você fique bem, e que se lembre que eu estou disponível a você pra qualquer coisa que acontecer.

Agradeci. Sentia-me um tanto perdido com nossa conversa, mas minha decisão estava tomada. Eu e o Breno agora namorávamos. E achei que valia a pena conversar com ele.

- 88 -

Casa adentro, e segui direto ao telefone. Apertei as teclas com extrema rapidez, guardara com facilidade cada um de seus dígitos.
Sua mãe foi quem atendeu ao telefone. Pedi a ela que o chamasse e ela me pediu que aguardasse um instante.

...

Notara a pouco o grande silêncio que se fazia sentir em casa. Sem TVs ligadas, nem rádios, nem conversas paralelas. Estava sozinho.

- Oiiii – falou ele, estendendo o “i”, numa espécie de demonstração de felicidade.
- Oi – respondi, também sem conseguir deter um sorriso que insistia em emoldurar meu rosto. Estava feliz em ouvir sua voz.
- O que aconteceu pro meu namoradinho me ligar tão antes de nosso horário tradicional? – perguntou.

Tínhamos criado um hábito diário, desde alguns dias atrás, de nos falarmos ao telefone a partir das dez da noite.

- Nada – respondi – Saudades quem sabe.
- Humm – resmungou ele. – Ta querendo me ver é? – perguntou.
- Muito – falei – to querendo muito.

De repente, vi me numa espécie de carência. Uma necessidade extrema de vê-lo beija-lo. E lá estava eu novamente, caminhando na beirada do penhasco. Dividido entre a certeza de nosso amor (sim porque era isso que eu achava que sentia agora) e a incerteza de sua participação na aposta, que parecia querer me perseguir. Mas eu havia decidido, estávamos juntos agora. Estava dando minha cara novamente a tapa.

- Mas que horas? – tornou a perguntar.
- Imediatamente – falei. Corre pra cá.

Ele riu e falou:

- Correr? Eu vou é voando.
...

Ele pareceu ter vindo num jato mesmo, tamanha a rapidez de sua chegada.

- Cadê seus pais? – perguntou tão logo colocou os pés dentro de casa.
- A casa é todinha nossa – respondi, com um risinho sacana nos lábios.
- Então vamos aproveitar não é? – perguntou ele, braços a me enlaçar.

...

Posso dizer que aproveitamos muito bem o tempo em que estivemos sozinhos ali. Nada além de fortes “pegas” e longos beijos. Queria deixar o sexo pra uma noite “especial”.
Só interrompemos nossa “curtição”, que sequer conseguiu subir as escadas rumo ao quarto, porque um carro havia parado em frente de casa. Arrumamo-nos correndo, e instante depois a porta se abriu. Por ela entraram minha mãe, meus irmãos e alguém que nem em meus maiores delírios poderia supor.

- 89 -

Talvez a cena não fosse tão absurda assim, pensei instantes depois, ele era vizinho de meus avós, muito íntimo deles, aliás. Portanto André, ali em pé junto à porta talvez não fosse tão exagerada, não para eles, que desconheciam sua visita anterior a minha casa.

- Meu filho você já conhece, não é? – perguntou minha mãe, mão estendida a apontá-lo.
- Conheço sim – respondeu ríspido.

O curioso fora sua expressão: o sorriso alegre na entrada deu lugar a uma certa sombra. E não demorou para que ele mesmo mostrasse o por que.

- E o amigo quem é? – perguntou ele
- Um amigo de meu filho – respondeu solícita minha mãe, alheia ao sentido de tudo aquilo.
- Breno – respondeu ele em pé, braço estendido para um cumprimento.
- Oi – respondeu um tanto seco André, deixando com que o braço de Breno permanecesse por instantes suspenso até que o colocasse de encontro ao seu.

...

- Você me acompanha até a porta? – perguntou Breno, dispensando o café que minha mãe fazia.
- Claro que sim – respondi.

No portão, após as breves despedidas dentro de casa, eu e ele nos abraçamos.

- Não esquece de mim – falou junto a meu ouvido.
- Pode deixar – respondi.

Esperei o sumir na esquina, para voltar casa adentro. Tão logo me virei, dei com André junto à porta.

- Só amigo? – perguntou ele
- Por quê? – inquiri algo irritado.
- Por que eu quero saber – falou.
- Não te interessa – eu disse, enquanto espremia meu corpo, tentando passar no espaço entre ele e a porta.

Pegando em meu braço, de maneira forte, falou:

- Interessa sim, ou você já esqueceu que tem dono?

Não tive tempo para responder, já que minha mãe aparecera junto à porta, chamando nos para um lanchinho.

- Depois a gente conversa – falou.

Ele chegara até ali, após oferecer carona a minha mãe, ajudando-a a trazer uma caixa cheia de bugigangas da casa de minha avó. Solícita, minha mãe lhe ofereceu um cafezinho passado na hora. Sentamos todos juntos a mesa. Ele, sem perder tempo, pegou a cadeira em frente a minha. Evitei olha-lo.
...

- Você me acompanha até a porta? – perguntou ele, com ar de piedade, enquanto ainda estávamos sentados.
- Claro que acompanha – respondeu minha mãe, após insistir para que ele ficasse um pouco mais.
Ele aos poucos se tornava a minha sina. Uma sina ruim.

- 90 -

Senti um arrepio percorrer minha espinha.

...

Caminhamos juntos, eu na frente dele, até o portão. Abri-o, e fiquei de lado, dando lhe passagem. Antes de sair, entretanto, parou em minha frente e disse:

- Meu filhote espero que você não esteja me traindo. Não gosto nada disso.
- Traindo? – falei. Sentia repulsa dele, nojo talvez, e me perguntava por que estava fazendo tudo aquilo comigo – Quem é você na ordem do dia pra falar em traição? – perguntei irritado.
- Eu não te traio – disse ele sério, tornando a segurar em meu braço – portanto acho que posso exigir o mesmo.

Ri um riso de desgosto.

- Olha André – comecei – eu ainda sou novo, tenho muita coisa pela frente. Você é um cara casado, pai de família, portanto não pode nem me cobrar, e nem falar em traição. Não acha?
- Ser casado não muda nada – ele falou.
- Como não? – perguntei.
- Sou de uma outra geração – começou. – Uma geração em que curtir caras era proibido. Casei com minha mulher numa espécie de necessidade. Hoje eu a amo, mas ela ainda não é capaz de suprir minhas necessidades.

Entendi um tanto superficialmente sobre o que ele falava. Mas não concordava com aquilo, e também não queria ser a sua “válvula de escape”. Percebi que o assunto seguiriam adiante caso eu não concordasse com ele.

- Você tem razão – falei. – Agora que me explicou, eu sou capaz de te entender.

Ele sorriu satisfeito.

- Que bom que me entendeu, meu filhote.
- Me desculpa – falei – prometo não fazer mais nada que você não venha a gostar.
- Obrigado – disse ele, puxando me para junto de si, num forte abraço.
- Mais uma vez desculpa – falei com ar de arrependido.
- Não precisa mais pedir desculpas – falou ele. – Basta apenas me respeitar.

Assenti.

- Até porque – continuou ele – se você me pedir desculpas mais uma vez, vou ficar louco pra te dar um beijo, e não vai ser legal fazer isso aqui.
- É verdade – falei. – Mas não faltaram oportunidades, não é? – perguntei
- Nenhuma – respondeu ele – nenhuma.

...

Esperei o carro, até que ele sumisse na esquina, evitando assim motivos de novos comentários.
Precisava tomar também uma decisão quanto a isso. Teria que sumir da visão dele, só assim evitaria novos e sérios problemas.


- 91 -

(...)

Os dias corriam agora. Com o fim das aulas, os preparativos para a formatura e o primeiro namorado quase me esqueci que havia feito a matricula para o vestibular. Precisava ao menos dar uma lida nas matérias. Minha mãe me mataria caso o dinheiro tivesse sido gasto a toa. Lembro-me bem de tê-la feito no ultimo dia.

(...)

A chuva começou a despencar de repente, típica chuva de verão. Os dias andavam abafados, e ela viera em boa hora, não para mim que a tomei toda. Em seguida veio a longa fila no banco, a qual percorri todo molhado. Uma senhora na fila ao lado, preocupadíssima, disse:

- Cuidado para não se resfriar, meu filho.

Sorri simpático e pedi-lhe que não se preocupasse, e ela pareceu me mais satisfeita.

Sabia que não seria nada fácil entrar na faculdade, ainda mais numa federal. Mesmo que proclamassem aos quatro cantos quão inteligente eu era, coisa típica de mãe e que eu sinceramente não acreditava, não me achava capaz de tal feito.

Havia escolhido a área de humanas, era a que eu mais me identificava.

(...)

Eu e Breno nos víamos com uma freqüência muito maior. Os beijos tornaram se ainda mais quentes, os toques mais longos e beirávamos as vias de fato.

- Você ta querendo me matar é? – perguntava ele antes de novos e longos beijos, novos e longos abraços.

Sorria e correspondia ao máximo a seu desejo. Também estava louco de vontade, mas tinha uma idéia em mente, e queria muito coloca-la em prática. Queria ser dele na noite da formatura, e já imaginava a cena: ambos, saindo sorrateiros da festa direto para, quem sabe, um motel.

Ele ainda não sabia disso, queria lhe fazer uma surpresa. Mas estava cada dia mais difícil controlar o desejo.

...

Luciano, que já se mudara para a nova cidade, me ligou numa dessas noites passadas. Disse estar bem e gostando muito da cidade. Convidou me a visitá-lo, convite o qual prometi corresponder. Não contei a ele sobre meu namoro. Não achei que necessitasse.

...

O André deu uma desaparecida, talvez excesso de trabalho, no entanto eu procurei diminuir minhas visitas a minha avó. Sempre que ela ligava, dava uma desculpa que precisava estudar para o vestibular, o que ela parecia não apenas entender como dar grande apoio.

O único que ainda permanecia circulando “pela área” era o Rodrigo. Mas ele não me interessava mais. Eu havia não só esquecido ele, mas também toda a longa história que o acompanhou.


- 92 -

(...)

Roupas provadas, e olha que foram dias em busca da ideal, e só restava esperar a grande data.

(...)

A missa que se estendera por longos sessenta minutos, finalmente terminara. Breno sentou-se distante de mim, mas ainda sim conseguimos trocar olhares furtivos, e pequenos sorrisos. Partimos então, direto para o clube. Para o buffet.

Logo na entrada do grande salão, havia um casal muito bem arrumado a nos recepcionar. Atrás deles, um grande arco de bexigas vermelho-metálico e em ambos os lados belos arranjos de flores.

...

As mesas, todas redondas, comportavam em seu redor oito pessoas. Sobre cada uma delas, pequenos triângulos indicavam as famílias que ali se sentariam. Essa divisão de lugares havia sido cuidadosamente feita, de acordo com o número de convidados que cada aluno levaria. Coincidência ou não, junto a minha mesa, estaria a família de minha recente amiga Carla.

Ela, como as demais meninas, trajava um longo. Como era de se esperar em seu caso, a cor era o preto, mas não era a única a portar essa cor. Havia também aquelas que trajavam verde, azul, branco entre outras.

Seus pais me pareceram bem convencionais, mas ela mesma estava diferente aquela noite. Mais ajeitada eu diria.

- Eu só topei participar por causa deles – falou ela, assim que se ajeitou na cadeira a meu lado.

Limitei me a sorrir, estava ansioso para que o Breno chegasse. Meus olhos correram o salão, parando vez por outra para observar a decoração, e ainda nada dele.

- Preciso ir até o banheiro – falei a meus pais enquanto me postava de pé.
- Vê se não demora – resmungou minha mãe, que trajava um conjunto de saia e blusa azul marinho, que realçavam sua beleza.
- Já venho já – falei.

Afastando a cadeira, caminhei rumo ao banheiro. Foi um percurso cheio de solavancos eu diria. Com breves paradas aqui e ali, para cumprimentar os amigos, noutras para espiar os nomes em cima da mesa. Finalmente encontrei o nome dele, e estaríamos um bocado longe um do outro.

...

O banheiro era grande, espaçoso e muito limpo. Logo na entrada ficava uma espécie de segurança a observar os transeuntes, mas que na verdade estava ali para manter a limpeza.

Usei um mictório reservado, tinha uma espécie de receio de usar, uma vergonha, não sei ao certo de usar o outro.

Estava lavando as mãos quando ele entrou. Foi pelo reflexo do espelho que eu o vi.

- 93 -

Estava lindo. Roupa bem feita, cabelo bem penteado, um homão, pensei esquecendo das regras do português.

Breno era diferente dos muitos moleques de nossa idade, inclusive na aparência. Apesar de ser apenas um ano mais velho que eu – completaria dezenove no começo do ano – já tinha jeito de homem sério.

Ele sorriu a meu reflexo, eu retribui. Aproximou-se devagar se prostrando na pia ao lado e antes de abrir a torneira estendeu-me a mão para um cumprimento.

- Pena que aqui seja arriscado – falou ainda rindo – se não eu te lascava um beijo.
- Aqui fora pode ser – respondi, enquanto a porta se abria e outros dois formandos entravam – mas no reservado não.
- Safado – falou ele. – Já pensou em tudo não é?
- Sim – respondi. – Mas ainda tem mais – falei
- Mais o que? – perguntou, voltando sua atenção a seu reflexo. A seu lado um rapaz lavava as mãos.
- Depois a gente conversa sobre isso – falei caminhando rumo a porta, já fazia algum tempo que eu estava ali. Enxugando as mãos, ele pôs-se a me seguir.
...

- Como sabia que eu estava aqui? – perguntei caminhando de volta para o salão.
- Perguntei a sua mãe – respondeu.
- Ahhh – resmunguei.
- Conta-me então – pediu certamente se referindo ao que eu falara anteriormente.
- Depois – falei – depois.
...

No decorrer da noite, sempre que podíamos, dávamos uma escapada e nos encontrávamos no reservado do banheiro. Um ficava sobre o vaso, este com a tampa abaixada, enquanto o outro de pé fingia urinar. Assim trocamos vários beijos, grandes amassos. Numa dessas vezes – que acabamos diminuído no decorrer da noite, tanto para evitar suspeitas em nossas mesas como para evitar os olhares que o segurança/faxineiro do banheiro nos lançava – confidenciei-lhe meu desejo de passar a noite com ele.

- Esse é o melhor presente de formatura que alguém poderia desejar – falou ele, olhos a brilhar.
- Então você precisa me ajudar – falei – temos que convencer nossos pais de alguma forma
- Pode deixar – falou ele – vou dar um jeito nisso.
...

Até o final daquela noite eu viria a conhecer seus pais, os quais inegavelmente eram muito simpáticos. Breno também voltou a rever os meus, uma vez que se sentou em minha mesa para fazer um certo convite.

- O pessoal todo vai – falou ele, e olhando para meu pai deixando-lhe algo subentendido completou: os meninos em especial.

E eles concordaram.


- 94 -

A idéia de Breno me pareceu ótima, no caso de meu pai em especial, já que ele começara a me dar indiretas sobre namoradas: “E as meninas, hein? Pegando muitas?”. Certamente pensou que iríamos a alguma zona de meretrício. Sorri me imaginando em uma.

Na realidade não havia nenhum problema que me prendesse ali, mas pais são pais, e achava melhor dar alguma satisfação a eles.

...

Breno voltou a sua mesa, e conseguiu que seu pai liberasse o carro - teria, entretanto que leva-los em casa.

- Podexá – falou com certa ginga.
...

Levantamo-nos e caminhamos rumo a área livre facilmente acessada pela grande porta de aço aberta a esquerda.

- Estou tão feliz – exultou. Tudo está dando certo.
- Bom pra nós, não acha? – perguntei a ele. - Por mim sairia dessa festa imediatamente.

Nos abraçamos. E procuramos manter ao máximo a aparência de amigos felizes.

- Vamos aguardar mais um pouco – falou – ai sairemos realmente sem suspeitas

Concordei.

...

Os pais de Breno foram até minha mesa para conhecer meus pais, e aproveitar para se despedirem. Ficaram ali em torno de dez minutos, numa conversa animada.

Uma vez que eles seguiram rumo a saída, levantei-me para poder ir junto. Minha mãe, entretanto falou:

- Fique aqui mais um pouco com a gente, meu filho.

Desconcertei-me

- Até porque – continuou ela – essa formatura é sua, e nós estamos aqui por sua causa.

Ela tinha razão. Olhei um tanto incrédulo para Breno, queria externar minha angustia. “Como faríamos agora?” – perguntava-me.

- Bom – disse ele caminhando de volta pra junto da mesa, enquanto seus pais aguardavam junto à saída. – Se não se incomodar – continuou – levo meus pais em casa, aproveito para pegar umas coisas, e assim que eu voltar entro pra lhe chamar.

Ele realmente me parecia a pessoa perfeita.

- Combinado – falei, notando o olhar de aprovação de minha mãe. – Eu espero.

Rapidamente ele se virou e correu pra junto de seus pais. Em breve estaríamos juntos.

- 95 -

O tempo se arrastava e os minutos pareceram horas. Novamente fiquei ansioso, e isso era evidente em mim, nos gestos, na fala, em tudo.
...

Foram exatos quarenta minutos até que ele ressurgisse na porta. Tempo suficiente para que mais alguns dos presentes partissem, para que servissem o segundo prato quente – massa ao molho branco. Fora uma grande festa, mas pagamos por isso.

Levantei-me assim que ele se aproximou.

- Vamos? – perguntou.
- Vamos – respondi, enquanto analisava meus pais ainda sentados.

Eles se enturmaram facilmente com os pais de Carla, que também parou muito pouco na mesa. Apareceram por ali também, alguns outros pais, velhos conhecido deles. Algo muito comum em escolas públicas, os pais sempre se conheciam.

- Mãe – falei interrompendo a conversa. Ela já o tinha visto ali, mas pareceu não se importar com o fato.
- Oi! – falou com ar de espanto.
- Nós estamos indo – falei.
- Vão mesmo? – perguntou – É tão cedo ainda.

Fiz cara de irritado. Na realidade eles sequer se moveram desde que o Breno se fora. Meus irmãos estavam sumidos pelo salão.

- Mãe! – falei num bravejo – Se vocês quiserem ficar, fiquem.

Ela se ajeitou na cadeira, e olhou para meu pai. Os pais de Carla, aproveitando a pequena deixa, insistiram para que eles ficasse mais um pouco.

- Fiquem mais um pouco – falou ele – logo nós iremos e vocês vão juntos.
- É – emendou ela – deixa os meninos aproveitarem, e aproveitem também.

Meu pai, já com algum teor de álcool no sangue, sorriu e concordou de imediato. Sem saber onde estavam seus outros “pimpolhos”, e interessada na conversa, minha mãe concordou.

- Juízo hein! – falou ela, olhos voltados para Breno.
- Pode deixar – disse ele sério.

...

- Enfim sós – falou ele, assim que alcançamos o estacionamento. Vindo em minha direção, me prensou junto a um carro e me descarregou sobre mim um grande e quente beijo.

Alguns transeuntes devem ter visto a cena, mas aquela altura da noite, sequer me incomodou. Tudo o que eu mais queria estava ali, junto a mim. Olhos fechados correspondi a seu desejo.

...

- Vamos nessa – falou ele tão logo eu adentrei no veículo. – O motel nos espera.

Eu apenas ri. Também esperei demais por tudo aquilo.

- 96 -

Minhas pernas tremiam.

- Você demorou – falei, tentando esconder a tensão.

Era a primeira vez que eu ia a um motel, sequer sabia como funcionava um. Era a primeira vez também, pós-tumulto, que eu iria para a cama com alguém que eu gostava. Sim, porque eu me via novamente envolvido.
Estava receoso, com medo de não corresponder às expectativas, de não saber me portar, de não curtir.

- Levei meus pais até em casa – começou ele – e aproveitei descer com eles pegar algumas coisas.
- Coisas!? – perguntei sem entender.
- Sim – disse ele com um sorriso sacana no rosto. Esticando o braço abriu o porta-luvas do carro. – Está ai – falou.

Abaixei meus olhos em direção ao interior do pequeno compartimento. Lá dentro estava um pequeno pacote de camisinhas e um pequeno tubo, o qual, pegando nas mãos descobri se tratar de gel lubrificante. Seria também aquela a primeira vez que eu faria uso de gel.

- Gostou? – perguntou ele, ora olhando pra mim e sorrindo, olha olhando para a estrada. Já havíamos deixado o movimento da cidade para a trás e a pista se tornava um tanto mais escura.
- Gostei – respondi, colocando minha mão sobre sua perna.
- Que bom – falou ele enquanto levava minha mão até sua boca e lhe dava um beijo.

Sorri-lhe. Era impossível não amar um menino daqueles. Indo em sua direção, dei-lhe um pequeno beijo no rosto, como retribuição a tamanho carinho e cuidado. Ele pareceu-me feliz.

...

Havíamos passado a pouco o limite de município e eu lembrei de uma brincadeira besta que minha prima sempre fazia. Ela costumava dizer que passada a placa de sinalização, em caso de morte, pra todos os efeitos teríamos morrido em outra cidade.
Senti um calafrio, e por via das dúvidas, fiz um pequeno sinal da cruz.

...

Logo na entrada do motel, após descermos uma pequena rampa, havia uma grande placa com o preço dos quartos. Eles todos eram classificados com nomes de pedras preciosas. Safira, Rubi, Diamante, Esmeralda e outros do gênero. Escolhemos o Rubi.

Dentro de uma pequena cabine, uma voz feminina nos solicitou os documentos. Peguei meu RG dentro da carteira, que por pouco não ficou em casa, e entreguei ao Breno.

Minutos depois e finalmente nos dirigíamos a nosso quarto.

- Quarto 39 – disse a voz, entregando nos a chave.
- Obrigado – respondeu Breno.


- 97 -

Foi ele quem abriu a porta. Não era um quarto grande, como eu poderia deduzir devido ao preço, já que era um dos mais em conta. Resumia no quarto, já mencionado, e num banheiro.

As paredes e os lençóis tinham o mesmo tom: salmão. A cama redonda ocupava todo o centro do quarto. Sua cabeceira era em cerejeira, tendo um pequeno dial a sua esquerda. Presa na parede, à direita, havia uma pequena mesa e sob ela dois pequenos bancos. Era um quarto bonito, bem ajeitado eu diria. A TV ficava presa no alto, de modo a ser bem vista pelo casal quando deitado.

O banheiro também tinha seu circulo no centro: uma banheira de hidromassagem. Cercada por duas paredes de box tinha em cima de si o chuveiro.

Por ser a primeira vez que eu estava em um, achei muito do bom. Melhor ainda era a companhia.

...

- Vai ficar ai parado? – perguntou Breno a me olhar. Ele já havia fechado a porta, e colocado sobre a pequena mesa à chave do carro, o pacote de camisinha o gel e o celular.

Sorri-lhe algo abobado e temeroso, mas respondi com certa safadeza:

- Estou esperando uma atitude do meu namorado.
- Ah é! – falou, enquanto me enlaçava pela cintura, e me dava beijos estalados no pescoço – Seu namorado está aqui – falou se esfregando em mim – prontinho pra você. Você sente?
- Muito – respondi.

Ele estava excitadíssimo, eu, entretanto, ainda nervoso. Com medo de ele não compreender, expliquei lhe os motivos.
Sorrindo me falou:

- Fico feliz por tudo que tem nos acontecido. Feliz, por ser o primeiro a te trazer numa espelunca como essas. Rindo continuou: - E feliz, por ser correspondido no meu amor.
- Amor? – perguntei ainda mais abobado, seu rosto junto ao meu.
- Sim – continuou ele – porque eu sou capaz de afirmar que te amo.

Senti me corar, e meu coração se acelerou. Eu seria capaz de afirmar o mesmo.

(...)

O suor que escorria por sua fronte, quando alcançava seus lábios, tornava salgados nossos beijos.

Rodrigo, Luciano, Binho, André, Marcel... vários nomes circulavam por minha mente, numa espécie de delírio. Seus movimentos tornaram-se ainda mais rápidos. Seus gemidos tornavam uníssonos aos meus.

- Vou gozar, vou gozar – disse ele de maneira entrecortada.
- Eu também – anunciei. E o mais curioso, sem sequer me tocar.

Ele então gemeu, e eu o acompanhei.

...

Sem dúvidas, aquilo havia sido muito superior a uma transa, a uma trepada. Aquilo realmente me pareceu AMOR. Ele saiu aos poucos de dentro, e sem muito agito tirou a camisinha cheia.

Suados, mortos de canseira e ainda extasiados ajeitamo-nos na cama. Ele manteve-se em minha retaguarda, me abraçando. E descansamos assim, numa espécie de conchinha. Aos poucos o sono chegou até nós. Realmente eu estava feliz.


Posfácio

Abri os olhos devagar. Com exceção de Breno, que permanecia dormindo, o quarto estava todo frio. As persianas acinzentadas da janela começavam a ganhar certa coloração amarela. O amanhecer se aproximava e com ele nossa partida.

Levantei-me devagar, bexiga doendo, precisava ir ao banheiro. Parei um instante a observá-lo e era lindo vê-lo ali com as costas largas e parte das pernas a mostra.

...

Procurei desaguar fazendo o mínimo possível de barulho, não queria acordá-lo. Lavei as mãos com o pequeno sabonete aberto sobre a pia, e voltei devagar para a cama.

- Vem aqui pertinho – resmungou ele tão logo me deitei

Ergui devagar o lençol, e deitei me a seu lado. Ele logo pousou seu braço sobre mim.

- Te amo! – falou num sussurro, e deu me um pequeno beijo na nuca.
- Eu também – respondi, satisfeito.

O sono nos tomou em seus braços vagarosamente.

...

Ouve então um certo som. A princípio ele pareceu vir de dentro de mim, como parte do meu sonho. Aos poucos, com minha consciência no controle e os olhos levemente abertos, notei uma pequena luz sobre o encosto da cama. O som vinha do pequeno celular. Celular do Breno. Cutuquei-o e falei:

- Seu celular.

Ele pouco se mexeu, só resmungou. Insisti mais uma vez, assim como o celular insistia em tocar. Nada. Levantando-me novamente estiquei o braço para alcançar o aparelho, mas ele emudeceu.

- Ódio – esbravejei.

E parecendo ouvir minha reclamação ele tornou a tocar, dando me um grande susto.

- Alô – falei
- Breno? – perguntou a voz do outro lado. E inevitavelmente senti um aperto no peito. Eu conhecia aquela voz.
- Não... não é ele. – falei tentando me conter. Tudo a meu redor parecia tornar-se escuro.
- Então ele conseguiu – falou a voz do outro lado e a mim também não faltaram certezas.
- Rodrigo? – perguntei.
- Ele mesmo – respondeu num tom de sarcasmo.

De imediato desliguei o telefone, haviam atitudes a serem tomadas.


FINAL DA 1ª TEMPORADA

Mande seu Conto para: prazer-gay@hotmail.com


21 comentários:

Felipe Pedrosa disse...

por favor eu quero ler a segunda temporada me mandem no meu email ou postem felipemotos06@hotmail.com

Seu mais novo fã... :D disse...

Sem palavras, muito boa essa historia, eu preciso ler a 2° temporada, por favor posta aqui no site ou manda no meu e-mail: Fanaticoporsagas@hotmail.com

Felipe Pedrosa disse...

onde eu posso ler a segunda tempoorada.. pff me mandem

Garoto Errado disse...

Preciso da segunda temporada urgente!! Se possível mandem para esse e-mail: wildenfirst1@gmail.com

Unknown disse...

Oh my god, cara. PRECISO da segunda temporada!!!! Já foi escrita ou está sendo??? Por favor me responda!!!!! Calebmendes@gmail.com ameeei o conto!!!!!!!!!

Unknown disse...

OMG , estou aqui morrendo de curiosidade , por favor quem tiver a segunda temporada me passe pleaseee *--------* olindo.sz@live.com

Unknown disse...

Me envia a segunda temporada pelo amor de Deus ����
Email: vitor_gregoryo@hotmail.com

Unknown disse...

Noossa cara jurei ler so dois capítulos por dia...mas não consegui...dois capítulos é pouco para uma história tão sensacional como essa.....sfagnersantos@gmail.com

Lucas Devito disse...

POR FAVOR ALGUEM ME PASSA O FIM .... LI TODO ONTEM E NÃO CONSIGO MAIS PARAR DE PENSAR NO FIM POR FAVOR ME AJUDEM ...

Lucas Devito disse...

ME AJUDEM QUERO LER O FINAL
meu email
é david.nobre@live.com
quem me mandar
eu coloco até creditos ora vc se me mandar o final da trama

Unknown disse...

Por favor eu preciso ler a segunda temporad mandem pra mim por favooor, meu email é pedu2009@gmail.com

Unknown disse...

Sou o Lucas 15 anos. quero amizade com meninos ate 15 anos
Skype
ubi_selva15@hotmail.com

Unknown disse...

Sou o Lucas 15 anos. quero amizade com meninos ate 15 anos
Skype
ubi_selva15@hotmail.com

Magia Universal disse...

Alguém poderia me enviar por email a segunda temporada? Se puder, andhre75@gmail.com
E se tiver afim de novas amizades, me add no facebook Andhre Spiaggia
ou chama no whatsapp 11 998319943
Beijoos

Must SHARE disse...

quero o final pf manda por email luizanjinho2@gmail.com

Unknown disse...

me envia a segunda temporada por favor. evertonzago25@gmail.com

Patrick Luxo disse...

Quem tiver a segunda temporada por favor envie para mim. patrick-luxo2@hotmail.com

Unknown disse...

Genteee! Preciso da segunda temporada! Alguém por favor envie para o meu e-mail.
psico_janilson@hotmail.com

Unknown disse...

Gente, já tem a segunda tempo? Se tiverem me manda, meu email é vinyciiusalves74@gmail.com
Gostei muito do conto obrigado.

Unknown disse...

Eu não sei se o site ainda está ativo, mais por favor se tiver a segunda temporada me envia pelo e-mail samuel.silvarb@gmail.com por favor eu estou amando este conto e estou ansioso para saber como continua a história ❤❤❤

Unknown disse...

Vc conseguiu a segunda temporada?